Paulo Borges e os 30 anos da SPFW: “Não é uma marca que vai fazer a moda ser importante. é um esforço coletivo”
Paulo Borges e os 30 anos da SPFW: “Não é uma marca que vai fazer a moda ser importante. é um esforço coletivo”
O então produtor que há 30 anos mudou a moda brasileira ao organizá-la com um calendário nacional de desfiles faz balanço do legado da SPFW e dos desafios da moda em tempos de redes sociais e ultra fast fashion.
Há 30 anos, Paulo Borges estava em Paris quando teve a ideia de criar uma semana de desfiles de moda brasileira. O ano era 1995, e a meca da moda mundial, embora já tivesse sua “semaine de la mode parisienne” desde 1973, havia passado a organizar melhor o calendário em 1994, concentrando a partir de então seus desfiles num único endereço, o Carrossel do Louvre. Além da influência do que chamamos do espírito do tempo (o Zeitgeist do filósofo alemão Hegel) – Londres e Nova York (1993) também oficializavam seus calendários de desfiles – Paulo já havia experimentado, no Brasil, o sucesso na organização de quatro grandes desfiles do estilista Conrado Segretto, de uma final do concurso de modelos The Look of the Year, além do Phytoervas Fashion, o embrião da SPFW. “Escrevi duas páginas do que seria uma semana de moda. Voltei para São Paulo em outubro, e no fim do mês já tinha fechado title sponsor com o Morumbi Shopping : nascia o Calendário Oficial da Moda Brasileira – Morumbi Fashion Brasil”, conta.
Na última sexta (10.10), durante a uma hora e meia em que dividimos uma sala de Google Meet para realizar a entrevista, flashbacks surgiram de ambos os lados. Do de Paulo, ele repassou desde os primórdios da semana de moda, das marcas que estavam lá desde o começo, (como as cariocas Blue Man, Lenny e Yes, Brazil, os paulistas Alexandre Herchcovitch, Reinaldo Lourenço, Forum e Zoomp, o paraense Lino Villaventura), até o momento atual da moda, que, ele admite, está mais fragmentada hoje, tem menos importância do que há 20 anos e exige, em suas palavras, uma espécie de “retrofit” do evento, para compreender a nova geração tanto de marcas quanto de consumidores, inseridos dentro do contexto das redes sociais.
Do meu lado, me lembrei de como, entre idas e vindas da moda na minha carreira de jornalista, acabei sendo testemunha dessa construção da moda nacional em vários momentos-chave, seja quase adolescente, acompanhando uma tia fashionista para ver Ronaldo Fraga no Phytoervas Fashion, seja como repórter da TV Bandeirantes nos primeiros anos de Morumbi Fashion até sua virada para São Paulo Fashion Week, em 2001. E também depois, por tantos anos, como editora de moda do Uol, incluindo o período que Paulo considera a “era de ouro” da moda e do evento, entre 2010 e 2013, ainda como editora de revistas e do FFW.
Na edição SPFW N60, que começa nesta segunda (13.10), se inicia também a comemoração dessas três décadas de história, que se estendem para 2026. Há a exposição de peças sustentáveis de grandes estilistas “Moda e Território: A Bioeconomia Brasileira em Movimento”, mostra de maquetes da cenografia do evento ao longo dos anos, e lançamento do livro Backstage SPFW, acompanhado de exposição de fotografias de Renato De Cara e ilustrações de Filipe Jardim, captadas ao longo de uma década nos bastidores do evento. Há ainda, para 2026, a previsão de lançamento de um outro grande livro, que abordará toda a história do evento em imagens.
A seguir, os principais trechos da entrevista, em que Paulo faz uma grande análise do evento e da moda no passado e no presente, com olhos no futuro.
“Em 1995, saí do Phytoervas e, em Paris, escrevi em duas páginas o que seria uma semana de moda. Voltei em outubro e no fim do mês fechei o patrocínio com o Morumbi Shopping. Nascia o Calendário Oficial da Moda Brasileira – Morumbi Fashion Brasil. Lançamos em 1995, e a primeira edição aconteceu em julho de 1996. Escolhemos começar pelo verão, que é maior no país. Foi um projeto que nasceu no coração e foi tratado na alma. A cabeça servia só para materializar o que a gente estava falando.”
“A Semana de Moda ajudou a revelar o protagonismo das pessoas. Antes, os estilistas se escondiam atrás das marcas. O SPFW fez nascer carreiras, deu visibilidade, criou um mercado e um ecossistema de moda extremamente profissional, de diretores de arte, fotógrafos, modelos, jornalistas e editores, além da profissão de stylist, que antes nem existia. Levou a moda para os cadernos de economia, de cultura, de comportamento, para a TV e para a vida da cidade.”
“A gente se vê, nesse momento, com necessidade de fazer um grande retrofit. Repensar o sistema como um todo. Até porque tem uma mudança geracional muito grande. O que a gente precisa fazer para que essa nova geração entenda que o que ela encontrou é uma estrada pavimentada, mas que não está pronta? A gente tem que refazer tudo aquilo que fez há 30 anos: provocar discussões, diálogos, aproximação, provocar essa geração a pesquisar mais.”
“A internet trouxe a ilusão do “quatro cliques e eu já sei tudo”. Estou há anos com a sensação de retorno aos anos 90: o pêndulo vai e vem. Hoje é um mundo de medo. No medo você não se arrisca, então não cria. Se você sabe que o pêndulo foi, pode desviar dele. Nosso trabalho é conscientemente não deixar o pêndulo do retrocesso bater.”
“Acho que elas [as grandes marcas] foram impactadas, como todos nós, por todas as questões que vieram, todas as crises, e elas precisam se reorganizar, se reestruturar. E aí teve essa influência de rede social, aonde o jornalismo perdeu muita relevância com essas influenciadoras que acham que sabem tudo. Então as marcas preferem organizar um desfile para um público de influenciadoras que só estão lá para fazer um flash, um lacre.”
“Uma marca não vai se segurar com influenciadoras, até porque isso vai acabar. Já está acabando, né? Há também quem desfile sozinho. Tem seu mérito se faz sentido para o negócio, mas não contribui para a moda brasileira. Não é uma marca que vai fazer a moda ser importante. É um esforço coletivo de moda brasileira.”
“O fast fashion tirou a graça da moda. Sem impacto visual e sem sonho, a moda não é nada. Ela é roupa.”
“O reduto mais importante para a moda é uma semana de moda: um festival de criatividade. Não trabalha só para quem desfila. Mexe no emocional de todo mundo, amplia conceitos e gera desejo. Ela ganha a sua importância. Por isso, continuará sendo o lugar de reverberação do novo. Para mim, a Semana de Moda continuará sendo sempre o lugar, a turbina de reverberação e de fortalecimento do novo.”
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