Lorena Moura: a nail art com identidade e beleza da Blunt Nails
A fundadora do estúdio Blunt Nails compartilha sua visão sobre o crescimento da nail art e a força criativa das mulheres pretas no mercado da beleza.
Lorena Moura: a nail art com identidade e beleza da Blunt Nails
A fundadora do estúdio Blunt Nails compartilha sua visão sobre o crescimento da nail art e a força criativa das mulheres pretas no mercado da beleza.
Mais do que um detalhe estético, a nail art virou parte da linguagem visual da moda e um símbolo de identidade para uma nova geração. Das passarelas aos editoriais, o cuidado com as unhas deixou de ser um gesto de vaidade para se afirmar como expressão artística. Mas o que acontece quando essa arte ganha um espaço próprio, pensado por quem vive e cria dentro dela?
Lorena Moura é nail designer e fundadora do estúdio Blunt Nails, um espaço que vem se destacando por unir técnica, arte e identidade no universo da beleza. Autodidata, ela começou a fazer unhas ainda na adolescência, criando alongamentos caseiros e experimentando decorações muito antes de o termo nail art se popularizar. Em 2019, transformou o hobby em profissão e, durante a pandemia, consolidou sua trajetória ao investir em formação e atender clientes de forma independente – experiência que inspirou a criação da Blunt, um estúdio voltado à troca criativa e ao crescimento coletivo de novas profissionais. Hoje, a Blunt Nails é reconhecida por sua estética autoral e por transformar o ato de fazer as unhas em uma experiência artística e colaborativa.
Em conversa com o FFW, Lorena fala sobre o início da carreira, o propósito da Blunt, a importância da nail art como forma de expressão e o legado das mulheres pretas na construção dessa estética.
Como foi que você começou a fazer unhas? Quando você percebeu que esse hobby ou talento poderia virar uma profissão?
Eu comecei nesse universo muito jovem. Sempre fiz as minhas, as das minhas amigas, das pessoas ao meu redor. Quando tinha casamento ou alguma ocasião especial, era eu quem fazia as unhas. Então, as unhas sempre foram algo muito presente na minha vida.
Eu também tive uma tia que trabalhou com isso a vida inteira, e sempre que eu estava por perto eu ficava observando ela trabalhar, vendo os materiais que ela usava. Isso sempre me chamou muito a atenção. Na adolescência, comecei a fazer cada vez mais as minhas unhas e as das minhas amigas. Eu sempre gostei de unhas compridas, decoradas, bem diferentes do padrão da época, que era mais francesinha, esmaltação lisa, ou no máximo uma florzinha no cantinho. Eu já gostava de algo mais ousado, mais “over” mesmo. Meu primeiro alongamento foi de cola super bonder e farinha de trigo, não durou muito, mas ali me apaixonei e fui entrando no mundo das postiças decoradas.
Quando você percebeu que esse hobby ou talento poderia virar uma profissão?
No final de 2018, eu estava frustrada em um trabalho que não tinha nada a ver comigo. Eu já fazia unhas, mas não de forma profissional. Então decidi que ia começar a fazer profissionalmente, para esse trabalho com unhas ser uma transição, como um degrau, sabe? Pra me levar até o próximo passo, mesmo que eu ainda não soubesse qual seria.
Quando tomei essa decisão, comecei a juntar uma grana, porque era difícil. Eu ganhava pouco, e na época o acesso aos materiais era muito limitado. Hoje em dia o mercado das unhas é enorme, você vai na 25, na Ladeira Porto Geral, e encontra tudo. Mas naquela época era bem diferente, eu comprava muita coisa no Mercado Livre, importava da China… era difícil montar o kit básico. Depois de juntar o dinheiro, consegui comprar meu primeiro kit e comecei a fazer as unhas em 2019. No começo era só treino, eu não cobrava das amigas, só testava. E conseguia conciliar com meu trabalho CLT. E, desde o início, meu foco foi o alongamento com a decoração – o que hoje a gente chama de nail art. Na época, a gente dizia só “unhas decoradas”
No final de 2019, começo de 2020, veio a pandemia. Eu trabalhava numa farmácia e o ambiente ficou ainda mais insuportável pra mim. Pedi pra ser demitida e, com o dinheiro da rescisão, investi de verdade nos meus materiais e curso para começar a atender profissionalmente. No início, eu atendia só amigas, e até fazia uma graninha, mas não estava preocupada com isso, eu ainda tinha o seguro desemprego, então dava pra segurar as pontas e ficar mais tranquila em casa.
Quando veio a vacinação e ficou mais seguro sair, comecei a atender bastante a domicílio. Testei trabalhar em alguns estúdios, mas detestei. Eram lugares onde eu não me sentia segura e que exploravam muito as profissionais e faziam várias apropriações intelectuais de suas criações, inclusive até hoje tem lugares que fazem isso. Exigiam coisas que não eram nossa função, usam nossas criações sem dar créditos e o ambiente era bem injusto. Eu nunca aceitei estar nesse lugar de subserviência dentro de salão nenhum.
Por isso, decidi continuar atendendo por conta própria, indo na casa das clientes. Fiz isso por dois anos. Levava todo o material, montava a mesa, atendia, desmontava tudo, e partia pra próxima. Era bem cansativo, mas foi um período que me ensinou muito, tanto sobre o meu trabalho, quanto sobre quem eu sou hoje como profissional e dona de estúdio.
E atendendo na pandemia, eu acabei ficando doente e, por conta disso, fiquei com muito medo de voltar a atender. Mas eu já não tinha como voltar pro meu antigo emprego, unhas já eram minha profissão. Então, pra tentar retomar de um jeito mais seguro, tive a ideia de fazer uma promoção: quem tivesse tomado a vacina e apresentasse o cartão de vacinação ganhava R$50 de desconto. Essa foi a forma que encontrei de voltar a atender com mais tranquilidade, atraindo um público que também se preocupava com saúde e segurança naquele momento.
Como nasceu a ideia da Blunt? O que você queria que o espaço representasse, além de um estúdio de unhas?
A Blunt nasceu da vontade de criar o espaço que eu queria ter encontrado quando comecei no mundo das unhas. Um lugar que realmente me acolhesse, que desse suporte e me ajudasse a crescer como profissional. Então, eu criei a Blunt Nails pra ser esse espaço, um lugar de formação, de troca e de crescimento em conjunto.
Sempre falo que quem entra pra trabalhar comigo não é pra ficar pra sempre. A ideia é que seja um momento de aprendizado na carreira, para aprender, ganhar experiência e depois abrir o próprio espaço. E isso já vem acontecendo: três pessoas incríveis que começaram comigo hoje têm seus próprios estúdios, e eu fico muito feliz de ver o crescimento delas.
Para mim, a Blunt Nails é um espaço de coletividade. Não existe rivalidade entre profissionais que fazem a mesma coisa. Pelo menos não aqui. Todo mundo pode crescer junto, se ajudar, compartilhar conhecimento. É mais que um estúdio de unhas. É um espaço de cultura, de música, de aprendizados e de encontros. Um lugar onde você faz amizade, fecha negócios, se conecta. A Blunt Nails é sobre isso: pluralidade, troca e crescimento coletivo.
Hoje, o que você acha que faz a Blunt ser diferente de outros espaços de beleza?
Eu acho que o grande diferencial da Blunt é ser um espaço artístico, um espaço de encontro. Lá você não vai só pra fazer a unhas você vai pra socializar, tomar um drink, conversar, viver uma experiência. Na Blunt, a unha é uma construção entre a cliente e a profissional. A gente desenvolve juntas uma arte. Então, não é só sobre beleza, é sobre identidade e temos uma identidade muito forte, e isso conversa muito com o nosso público, que também é cheio de personalidade. A gente conseguiu esse match perfeito entre o que a gente acredita e as pessoas que escolhem estar com a gente. E é isso que torna a Blunt diferente: ela é arte, é troca, é conexão.
A nail art tem ocupado um espaço cada vez mais importante na moda e na cultura pop. Como você enxerga essa transformação?
De fato, cada vez mais o nosso trabalho vem sendo reconhecido como parte de uma composição artística mesmo, seja em editoriais, em desfiles ou na construção de um look. A unha deixou de ser só um cuidado básico e passou a ser uma forma de expressão, uma extensão da identidade de quem usa. Através dela, a gente consegue comunicar muito: estilo, personalidade, energia. Hoje as pessoas entendem que a unha também fala sobre quem elas são. Assim como o cabelo, a maquiagem ou a forma de se vestir, a unha faz parte dessa linguagem visual, dessa construção de imagem. É arte no corpo e a Nail Art vem ocupando esse espaço com cada vez mais força.
Você já fez unhas para artistas da música e editoriais, como é traduzir a identidade de cada pessoa em algo tão pequeno, mas tão expressivo quanto as unhas?

Cara, é muito foda! Porque, apesar de serem telas pequenas, são dez telas pra trabalhar e isso dá um espaço incrível para explorar estética e criatividade. Eu amo esse tipo de trabalho porque me desafia a traduzir a identidade do artista ou o tema do editorial, mas sempre colocando um toque meu ali. É uma troca criativa muito intensa: eu me inspiro neles, mas deixo algo meu impresso também. No fim, é isso que eu acho mais bonito ver algo que eu criei sendo eternizado em um álbum, clipe ou editorial. Cada unha vira um pedacinho de arte única.
Tem alguma criação ou projeto que foi marcante pra você, seja por quem era o cliente ou pela mensagem por trás?
Sim! Teve uma que me marcou muito, foi uma unha inspirada nas obras do Basquiat, um artista incrível que me inspira bastante nos trabalhos de criação à mão livre, principalmente quando desenho direto na unha. Eu já tinha feito algo parecido antes, mas eram unhas curtinhas. E eu amo unha curta, mas quando eu fiz essa versão em unhas bem longas de uns 5 centímetros foi simplesmente sensacional.
Cada unha tinha uma obra diferente do Basquiat, e eu fiquei muito satisfeita com o resultado. É, até hoje, a minha unha favorita. Mas não foi só pela arte em si, foi também pela troca com a pessoa que tava comigo, que é uma amiga de longa data, do meio artístico também, e que me inspira muito. Então, ali não era só eu fazendo uma unha; era uma troca artística real, sabe? E acho que é isso que faz esse trabalho ser tão especial pra mim.

As unhas sempre foram uma forma de expressão e autoestima muito presente na cultura das mulheres pretas. Como você se conecta com essa herança?
Eu vejo as unhas artísticas como uma herança estética e cultural das mulheres pretas. Claro que ela tem seu papel em diversas culturas, mas a forma como imprimimos isso foi diferente. Sempre foram uma forma de expressão, de cuidado, de afirmação e de resistência. A gente sempre criou tendências, mesmo quando o mundo ainda não chamava isso de moda ou de arte.
Hoje, a nail art é pra todo mundo! Tenho clientes de todos os tipos e é lindo ver isso crescendo. Mas é importante lembrar que esse movimento começou com as mulheres pretas. Foi a gente que transformou a unha em arte, em identidade, em símbolo de força e estilo. Eu me conecto com essa herança todos os dias, tanto quando tô criando uma nail art quanto quando estou dentro da Blunt, vendo outras mulheres se enxergando, se sentindo bonitas e potentes. Para mim, é sobre beleza, mas também é sobre pertencimento e continuidade.
Como você definiria o papel da unha e nail arte hoje, nesse cruzamento entre moda, arte e autocuidado?
As unhas e a nail art são agora uma linguagem visual: unindo moda, arte e autocuidado. Elas são expressão de identidade, cena criativa que se vê nas mãos e cuidado com o próprio corpo, que afirma presença e valor.