Leo Neves revela como se dividir quando o assunto é criatividade
O diretor criativo carioca está à frente da Waiwai, BDLN e Ori, indo dos acessórios ao masculino
Leo Neves revela como se dividir quando o assunto é criatividade
O diretor criativo carioca está à frente da Waiwai, BDLN e Ori, indo dos acessórios ao masculino
Antes mesmo de conhecer o Leo, conheci a Waiwai — e, com ela, um universo onde o artesanal ganha uma camada mais contemporânea. A troca virtual veio depois, e só mais tarde o encontro pessoal. Foi aí que entendi: mais do que o resultado final, o que move Leo é o processo — íntimo, intuitivo, de dentro para fora.
Foram quase dez anos de styling até perceber que queria mais do que combinar roupas — Leo Neves queria criá-las. O desejo de autoria levou à fundação da Waiwai e, com o tempo, à criação de duas outras marcas com identidades próprias, todas costuradas por uma mesma sensibilidade: solar, intuitiva e manual. “Além da Beyoncé, tivemos outras artistas incríveis que ajudaram a dar visibilidade à marca, como Dua Lipa, Florence Welch e Anna Dello Russo em 2018, e até a princesa Beatrice em 2020”, relembra.
Leo fala de moda como quem fala de tempo e paisagem — seu trabalho carrega o mar do Rio e, agora, um pouco da densidade de São Paulo, além de uma vontade constante de experimentação. Nesta entrevista, ele revisita os começos, compartilha os bastidores de suas criações e revela o que realmente sustenta uma trajetória: a delicadeza das boas parcerias.
Leo, pra começar do começo: me conta como tudo começou. Foi no styling, né? Quanto tempo durou?
Sim, tudo começou com o styling. Foram quase dez anos mergulhado nesse universo. Era uma época de experimentação, de entender como a roupa comunica antes mesmo da palavra. O styling foi minha primeira escola de linguagem visual e, mais do que isso, meu laboratório de repertório.
E quando decidiu ir para a criação?
A transição foi muito orgânica. Em determinado momento, percebi que queria criar as peças que imaginava, não apenas coordená-las. Era um desejo de autoria, de construir uma narrativa com começo, meio e fim. E a criação me trouxe isso: a chance de tirar uma ideia do papel e vê-la ganhando forma, matéria e vida.
Durante um tempo, ainda segui trabalhando como stylist para alguns clientes e marcas fixos — era uma forma de manter o pé nos dois mundos enquanto a marca se estruturava. Só deixei o styling de vez quando senti que a Waiwai já estava mais consolidada e precisava de mim por inteiro.
Você está à frente de três marcas distintas. Como funciona o processo em cada uma delas? Como você se divide?
Cada marca tem sua alma própria e atende a desejos criativos diferentes, seja na forma, no discurso ou no universo que propõe.
Apesar de distintas, há uma troca natural entre elas. Muitas vezes, uma pesquisa de fornecedor ou uma inspiração de viagem acaba se encaixando em alguma das marcas. Esse trânsito de ideias me alimenta.
As três são independentes e têm estrutura enxuta, o que exige atenção em cada detalhe. Nem sempre consigo acompanhar todos os calendários — e tudo bem. A Ori, por exemplo, tem um tempo próprio e produção menor, fora do ritmo do mercado.
Conto com parcerias muito talentosas em cada frente, o que torna esse equilíbrio possível. No fim, essa multiplicidade é o que me mantém criativamente vivo.
A Waiwai foi a primeira, certo? Como você a define e como foi começar por acessórios? Foi algo mais simples ou desafiador?
Sim, a Waiwai foi meu primeiro mergulho como criador, mas antes disso lancei uma coleção de acessórios de cabeça chamada Vereda Tropical, toda em acrílico. Foi ali que começou minha relação com o material e a vontade de criar objetos com força visual.
Começar por acessórios parecia mais simples, mas logo percebi os desafios: entender produção, matéria-prima, escala. E nada disso teria sido possível sem minha irmã Fernanda, minha sócia em todas as marcas — sem ela, essa construção não teria saído do papel.
O acessório acabou sendo um caminho muito potente. Ele me deu liberdade de forma e função e abriu espaço pra eu desenvolver uma linguagem própria, com autonomia e identidade.
Como se dá a troca criativa entre você e a Betina?
A Betina é uma parceira rara. Temos uma confiança mútua muito grande e olhares complementares. Nossa troca é constante, aberta, intuitiva. Às vezes uma ideia surge de uma conversa boba, outras vezes de uma imagem antiga ou de uma viagem. E, principalmente, nos escutamos muito — isso faz toda a diferença.
Pelo que noto no seu trabalho, o olhar solar é algo onipresente… Você acredita que o entorno, o fato de morar no Rio de Janeiro, seja decisivo para isso?
Sem dúvida. O Rio tem uma luz muito própria, literal e simbólica. Acho que meu olhar foi moldado por essa claridade, pelo mar, pela informalidade sofisticada que só o Rio tem. É como se a cidade tivesse uma assinatura cromática e afetiva que se infiltra, mesmo quando tento escapar.
Agora você se divide mais entre São Paulo e Rio. As vindas mais frequentes para cá têm te ajudado ou influenciado de alguma forma, ou ainda não?
Sim, bastante. São Paulo tem uma densidade que me instiga, uma vibração criativa diferente. Aqui, tudo é mais intenso, mais urbano — e isso também alimenta meu trabalho, me desafia a pensar em outras narrativas, outros contextos. Hoje, estar entre os dois lugares me dá equilíbrio.
Sei que você já tem muitas coisas, mas… tem vontade de incluir mais um projeto ou marca na sua lista? Seja de moda ou de outra área?
Sempre. Tenho muita vontade de me aprofundar em projetos ligados à casa, design e decoração. Gosto da ideia de criar universos completos, que vão além do vestir. Às vezes até penso que tudo que faço é uma preparação pra isso.
Sei que é uma pergunta um tanto manjada, porém: quem ou o que te inspira?
Me inspiram pessoas que criam com verdade, com delicadeza e com inteligência. Me inspira o Brasil, a cultura popular, sua mistura, sua imperfeição bonita. Me inspiram artistas visuais, cineastas, artesãos, designers anônimos que encontro pelo caminho. E me inspira o tempo — observar como as coisas se transformam com ele.
E ao longo da sua carreira, quais foram os momentos marcantes? Imagino que a Beyoncé ter usado Waiwai seja um deles, mas quais mais?
A Beyoncé foi, claro, um marco — simbólico e afetivo. Mas a trajetória da Waiwai tem muitos outros momentos especiais que guardo com o mesmo carinho. A primeira coleção começamos já no internacional, com um trunk show no Moda Operandi, em 2016. Lembro com emoção do primeiro pedido internacional, do primeiro showroom fora do Brasil.
Além da Beyoncé, tivemos outras artistas incríveis que ajudaram a dar visibilidade à marca, como Dua Lipa, Florence Welch e Anna Dello Russo, em 2018, e até a princesa Beatrice, em 2020. Em 2019, realizamos um pop-up de três meses na Harrods, em Londres — uma conquista enorme para uma marca brasileira independente e feita à mão.
Ainda assim, o que mais me marca são as pequenas vitórias do dia a dia: quando uma peça chega do ateliê como imaginei, quando alguém se emociona com o que criamos, quando a equipe se sente orgulhosa do resultado. Esses momentos menos visíveis, mas muito genuínos, são os mais valiosos pra mim.
E, para finalizar: uma dica ou conselho que gostaria de ter ouvido quando trocou o styling pela criação?
Que ninguém constrói nada relevante sozinho. Quando troquei o styling pela criação, achei que precisava provar tudo por conta própria. Hoje vejo que as parcerias certas são o que sustentam qualquer projeto de verdade.
E, nesse sentido, nada disso teria sido possível sem a minha irmã Fernanda, que é minha sócia no financeiro de todas as marcas. Foi ela quem estruturou, lá no começo, todo o processo de produção da Waiwai, com a mente analítica e generosa que só uma boa aquariana poderia ter. Ter alguém ao lado que complementa o que você não tem — e acredita tanto quanto você — faz toda a diferença. Esse é o conselho que eu gostaria de ter ouvido lá atrás.
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