Na era Ozempic, é possível recusar a magreza como forma de protesto?
O retorno do padrão magro parece ter abafado a diversidade. Mas uma onda de resistência nas redes quer mostrar que emagrecer para entrar no padrão está fora de moda.
Na era Ozempic, é possível recusar a magreza como forma de protesto?
O retorno do padrão magro parece ter abafado a diversidade. Mas uma onda de resistência nas redes quer mostrar que emagrecer para entrar no padrão está fora de moda.
De uns anos para cá – mais especificamente, quando Kim Kardashian surgiu no Met Gala de 2023 muito mais magra num vestido que foi de Marilyn Monroe –, um movimento de corpos curvilíneos e diversos que vinha se impondo na sociedade perdeu, repentinamente, o seu grande ícone.
De uma hora para a outra, a influenciadora que, juntamente com as mulheres de sua família, se transformou no grande exemplo inspirador de um padrão de beleza que rejeitava a magreza estava, ela mesma, mudando de lado. Não demorou muito para que viesse a explicação para um emagrecimento tão rápido: Ozempic.
Como uma avalanche, vimos o remédio derretendo quilos de celebridades de Hollywood em velocidade recorde, enquanto desfilavam nos tapetes vermelhos com cabeças que pareciam desproporcionalmente grandes em comparação à mudança drástica para corpos esguios (daí veio o apelido de “cabeça de Ozempic”).
Paralelamente, a moda, que por natureza é feita de absorver o espírito do tempo, uniu a tendência à sua histórica gordofobia e começou a reinstaurar a magreza nas modelos, regredindo até ao ponto que temos visto recentemente, beirando a anorexia – recentemente, o Reino Unido conseguiu uma liminar obrigando a Zara a retirar do site da marca duas fotos de modelos com imagens de magreza não saudável. Talvez estejamos caminhando para um radicalismo maior de valorização desse ideal magro. Por outro lado, um novo comportamento nas redes vem, ainda que timidamente, esnobando o que muita gente já achou impossível de esnobar. Trocando em miúdos, está surgindo uma resistência à magreza impulsionada pela era Ozempic. E as armas para isso são o corpo não magro e o ataque à suposta elegância de silhuetas esguias.
“Is being pleasant plump going to become a counterculture signifier in the age of Ozempic?”, provoca um perfil na rede X, querendo dizer algo como “Ser deliciosamente gorda vai se tornar um símbolo da contracultura na era Ozempic?”. A frase surgiu como um comentário a uma foto da cantora e atriz norte-americana Noah Cyrus que, ao assistir a um show de Lady Gaga, caminhava livre e confortavelmente com um top de sutiã e uma microssaia evidenciando um corpo bem fora do padrão da magreza Ozempic atual. Em outro perfil, desta vez no Instagram, um influenciador faz um reels com a pergunta: “Essas pessoas são elegantes, ou são apenas magras?”. Ele questionava o fato de termos o olhar tão treinado para achar o corpo magro bonito, que confundimos uma silhueta magra com uma silhueta elegante. O que muitas vezes não é o caso, como exemplifica.
Surgido a partir do final do século 19, o padrão da beleza do corpo magro foi instaurado naquela dinâmica de diferenciação entre ricos e pobres. Se na Idade Média e mesmo até os séculos 17 e 18 a gordura era sinal de riqueza e fartura, com o avanço do processo de industrialização da comida, o acesso ao alimento foi popularizado. A partir de então, cuidar do corpo com exercícios e dietas – e ter tempo para isso – passou a ser o grande sinal de distinção social. Com o acesso a remédios como o Ozempic, o Wegovy e o Monjaro (o mais potente e caro deles) cada vez mais disseminados, a estratégia da magreza para os “ricos e poderosos” parece ter se reforçado. Mas parcialmente. O lançamento de medicamentos similares à semaglutida (princípio ativo do Ozempic e do Wegovy) com preços mais acessíveis, além do estudo para o lançamento de uma versão genérica do Ozempic pela Índia, fez com que ser magro deva ser, cada vez menos, uma questão de genética e da tal “força de vontade”, para virar algo mais acessível e corriqueiro. E aí, tirando os casos em que se precisa emagrecer por conta de um risco de saúde, os que estão apenas com aqueles quilinhos a mais que os colocam fora da zona do “corpo padrão”, podem começar a considerar essa magreza Ozempic uma moda meio… cafona. Será que se recusar a emagrecer para se encaixar num padrão tão antigo está virando o novo cool?