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    Por onde andam as costureiras?

    Você tem sentido que a quantidade de costureiras diminuíram com o tempo? Pois é, nós também.

    Por onde andam as costureiras?

    Você tem sentido que a quantidade de costureiras diminuíram com o tempo? Pois é, nós também.

    POR Gabriel Fusari

    “Quero ser reconhecida como costureira mesmo. Tem força nisso. É uma profissão esquecida. Então, acho muito legal poder me nomear assim. É resistência.” A fala é de Anna Beatriz Bernardo (@xoxobeatriiz), 19 anos, estudante de moda na Belas Artes, que costura desde os 15. Aprendeu com a avó e hoje vende peças autorais em crochê e realiza ajustes e encomendas sob medida. Enquanto grande parte da sua turma na faculdade ignora a prática, Anna se vê como uma exceção. E a realidade do mercado nos últimos anos mostra que ela pode estar certa. 

    No passado, era comum encontrar costureiras em cada bairro, em cada família. Uma profissão transmitida entre gerações, sobretudo entre mulheres. Hoje, a figura da costureira foi aos poucos empurrada para a periferia da indústria — e do imaginário — da moda. Entre 2010 e 2020, A Abit apontou uma redução de 32% nos postos de trabalhos formais do setor do vestuário. Não há dados específicos de quantas deles foram de costureiras, o que confirma a realidade de um mercado tão importante marcado pela informalidade. Um estudo da ONU, publicado em 2022, mostra que 62% das costureiras brasileiras atuam em casa, sendo 51% autônomas. Invisíveis para os grandes números, ausentes das fichas técnicas, sem vínculos formais, essas mulheres (elas representam 87% da profissão, dados da Abit) são a base da indústria — mas raramente, dos aplausos.

    Nas faculdades, todo mundo quer saber criar. Mas quem é que vai confeccionar?. “Percebo entre os estudantes um desinteresse generalizado por disciplinas práticas como costura e modelagem. É um preconceito social que vê essas habilidades como inferiores à criação”, conta o estilista Weider Silveiro. “Hoje, muitos alunos nem querem criar, só divulgar. Falta mão de obra qualificada e o mercado não se importa. A roupa é tratada com menos cuidado.” O apagamento também se expressa nas relações de trabalho. “Alguns modelistas ganham o mesmo que os estilistas. As costureiras, que são maioria feminina, ganham menos”, afirma Weider. Para ele, a solução está no reconhecimento público. “Tem que colocar nome em ficha técnica, destacar o trabalho delas. Isso muda a forma como a profissão é percebida pelas famílias, e pode fazer com que novas gerações queiram seguir esse caminho.” 

    Isa Isaac Silva, designer de sua marca homônima, compartilha da mesma frustração. Cresceu cercada por costureiras: “Minha avó era alfaiate, várias tias costureiras. Com esse trabalho, sustentaram a família. Mas hoje isso mudou. Minhas primas não querem mais essa profissão. Não tem mais valor financeiro nem reconhecimento.” Para ela, o mercado da roupa feita sob medida perdeu força diante da fast fashion. “Hoje não dá para viver só como costureira de bairro. Isso gerou uma defasagem, e as novas gerações não seguem. Aprendi a costurar para poder orientar meu time com conhecimento. Mas falta investimento para formar novas profissionais.”

    Há exceções. Em polos têxteis, o ofício ainda movimenta a economia. Mas até nesses centros a formação de novos profissionais preocupa. “Ouço em reuniões que falta mão de obra especializada. Mas não há cursos, incentivos. Pilotistas ganham mais que costureiras, mesmo sendo a costura um pilar da indústria”, lamenta Isa. Ainda assim, há sinais de resistência. Nas redes sociais, jovens interessadas em costurar para si ou para vender têm se mobilizado. É o caso de Anna Beatriz. “Na minha turma, só umas cinco sabem costurar. E só eu vendo. Ninguém tem interesse. Eu vejo o fato de eu querer ser costureira como resistência mesmo. Conheço pouquíssimas costureiras mais velhas. A profissão está sumindo.” Para ela, a desvalorização começa na formação. “Muita gente acha que pode só contratar alguém mais velho. Falta vontade de aprender. Falta mostrar como é a profissão de costureira, como ela é importante.”

    Nathalia Anjos, coordenadora do Geração Senac, projeto de inovação do Senac, observa que, desde a pandemia, tem crescido o interesse de jovens pelos cursos de costura — especialmente se comparado ao período de 10 anos em que foi coordenadora dos cursos de moda do Senac Lapa Faustolo. Segundo ela, muitos buscam aprender um ofício tanto para fazer um lookinho, quanto como uma forma de fazer uma renda extra. Ainda assim, Nathalia pondera que esse número permanece pequeno quando comparado à procura por formações voltadas à imagem de moda, como styling e produção. “Apesar do aumento, a costura ainda não ocupa o mesmo lugar de desejo. Falta valorização do fazer manual, e isso reflete também no número de matrículas”, afirma.

    O desaparecimento das costureiras não é apenas uma mudança de mercado. É um processo de apagamento de saberes, de histórias familiares, de uma cadeia de valor invisibilizada. Em um momento em que se discute tanto sustentabilidade, circularidade e produção local, ignorar a figura da costureira é um contrassenso. Mais do que revisitar o passado, é urgente pensar o futuro. Quem está costurando o amanhã? Uma pergunta para pensarmos em como responder. 

     

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