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    FFW Entrevista
    FFW Entrevista
    POR Augusto Mariotti

    Por Marcela Duarte, em colaboração para o FFW

    Sara Winter @Facebook Sara Winter 

    Não se falou em outra coisa no mês de junho que não fossem os protestos que tomaram conta do país. Enquanto o povo ia para as ruas, a feminista Sara Winter, até então a mais conhecida manifestante brasileira, se mudava para Recife, onde mora com o noivo e gasta parte de seu tempo cozinhando para ele e lavando suas roupas.

    Com 21 anos, a ex-representante do Femen Brazil está bem familiarizada a contradições. Apesar do corpo esguio de hoje, Sara foi uma criança gordinha. Ter sido deixada de lado pelos colegas foi determinante na formação de sua personalidade. Isso fez com que se acostumasse a ser “a diferente”. Os cabelos platinados também disfarçam sua origem: seu pai é negro. Criada em uma família humilde, ela chegou a ser “viciada em dinheiro” na época em que trabalhou como prostituta na capital paulista. Sara decidiu se juntar ao Femen para realizar o sonho de sua infância: mudar o mundo.

    A escolha pelo feminismo como causa parece ter sido bastante aleatória. Sara viu uma notícia em um portal sobre o Femen, achou as ideias interessantes, entrou em contato e, assim, começou a ser ativista. Em 2012 foi para a Ucrânia, berço do movimento, onde recebeu o treinamento e abriu a representação brasileira. Nos protestos, as ativistas elegem uma peça que serve como um dress code, uma calcinha preta, um jeans skinny ou uma lingerie, que todas usam junto a coroa de flores, uma das características visuais mais fortes das meninas, além do peito pichado (veja na galeria abaixo imagens de algumas manifestantes).

    Mas nem tudo foi como ela sonhava. A liderança de Sara foi questionada e alguns fatos do passado foram apontados em redes sociais como indícios de simpatia à extrema-direita. O nome que escolheu usar, Sara Winter, lhe rendeu muitas comparações a Sarah Winter, simpatizante nazista que foi presidente da União Britânica de Fascistas. Enquanto segurava as pontas do Femen aqui, levava fogo amigo da Ucrânia. As líderes do movimento já não concordavam com sua independência e desobediência.

    Por isso, não foi surpresa quando, no dia 20 de maio, o Femen publicou em seu site uma nota cancelando a representação brasileira. A alegação era de falência organizacional e abuso financeiro. Sara ficou proibida de usar o termo sextremismo e os símbolos do Femen, incluindo a coroa de flores usada pelas meninas nos protestos.

    Agora, Sara começa a estruturar um novo movimento, o Bastardxs – o x é para não excluir nenhum gênero, então você pode ler Bastardos ou Bastardas. Na entrevista a seguir, saiba mais sobre Sara Fernanda Giromini, Sara Winter, Femen e Bastarxs.

    Como será o seu novo movimento?

    Chama-se Bastardxs. Pode falar bastardos ou bastardas, não tem determinação de gênero. Apoiamos o movimento contra o aumento da tarifa do transporte público e tudo aquilo que mexer com o nosso sentimento, que testar a democracia e privar as pessoas da liberdade. Originalmente, é um movimento feminista, mas é importante espalhar para as pessoas que o feminismo não se trata mais só de políticas públicas para as mulheres e não se trata só de uma luta de igualdade de gêneros. Também é uma luta de igualdade de classes, de raça, etc.

    Como originalmente é um movimento feminista, gostaria que você falasse sobre os princípios.

    O Bastardxs respeita a diversidade religiosa. A gente só vai bater de frente com religião quando ela tirar os nossos direitos. Por exemplo, com relação à homofobia, aos direitos reprodutivos das mulheres, etc. Vamos acolher todo mundo para o debate. Uma nova característica muito importante é que homens são bem-vindos pra protestar. Para as pessoas entenderem a mensagem de uma maneira mais simples, a gente tem que trabalhar com simbolismo. Se as pessoas perceberem um movimento feminista em que apenas mulheres atuam, é óbvio que elas vão continuar achando que só se trata de políticas públicas para as mulheres.

    Logo do novo movimento de Sara Winter ©Divulgação Bastardxs

    E qual a sua orientação política e a do Bastardxs?

    Sou apartidária, mas não sou apolítica. Não sigo nenhuma linha política concreta. Tenho fortíssimas influências anarquistas, mas não posso falar que sou anarquista. E o Bastardxs também tem influências anarquistas. Somos um movimento social de esquerda, mas prezamos pela diversidade política. Dentro do Bastardxs quem for comunista, anarquista, é bem-vindo. Só não queremos pessoas de extrema-direita no movimento.

    Como você conheceu o Femen?

    Foi em outubro de 2011. Eu vi em um portal “feministas protestam de topless por alguma coisa”. Aí fui atrás pra tentar entender por que elas usavam topless e achei a Inna Shevchenko pela internet, que agora é a representante do Femen França. Em abril de 2012, eu estava em um período da minha vida assim: eu não estava estudando o que queria estudar, não estava trabalhando onde queria, meus amigos eram todos falsos, minha família também não estava muito legal. Então pensei: “Já que minha vida está meio sem sentido, vou fazer o que eu sempre quis fazer”. Desde criança, quando alguém perguntava o que você vai ser quando crescer, eu sempre respondia que queria mudar o mundo. Entrei em contato com a Inna e falei: “Aqui no Brasil os índices de feminicídio são muito altos, de violência doméstica e homofobia também. Eu quero fazer parte do Femen, mas sou brasileira”. E ela respondeu: “Você pode começar. Cria uma página, tira foto, protesta pela internet”. Foi exatamente o que eu comecei a fazer, mas sempre fui muito proativa. Elas viram isso e disseram: “Vem aprender com a gente aqui na Ucrânia”.

    Qual a importância da identidade visual e da moda para o ativismo que praticam?

    O Femen Brazil até nisso era diferente. Aqui a gente tinha mulheres mais diversas. Eu acho que na Europa tem uma cultura de magreza um pouco maior. A ditadura da magreza não deixa as mulheres impunes em qualquer lugar do mundo, mas nós brasileiras temos um biótipo diferente. No Femen Brazil a gente tinha meninas gordas, magras, todo tipo. Existe uma importância da moda com relação a esses movimentos sociais que rolava no Femen e que a gente quer deixar rolar no Bastardxs também, que é envolver a moda como uma espécie de performance teatral. No Bastardxs, a gente vai tentar usar uma temática de soldados do povo. Então vamos usar um chapeuzinho de papel, justamente pra dar essa ideia de soldados urbanos. Quando a gente vai protestar, é muito legal que todo mundo esteja usando a mesma roupa. Um short jeans, uma calça jeans… É importante que a gente esteja padronizado, porque passa a ideia de que nenhum é melhor do que o outro. Geralmente, usamos a moda de uma maneira mais política e mais teatral.

    Você disse que queria mudar o mundo. Por que optou pelo feminismo?

    Com 16 anos fui morar no sertão da Paraíba, atrás de um namorado que conheci pela internet. Quando saí da Paraíba e fui pra São Paulo, tinha 17 anos. Passei na faculdade, queria poder pagar a mensalidade, que era muito cara. Aí conheci uma menina que era prostituta. Ela falou: “Eu sou prostituta, mas faço programa duas vezes por semana, tô ganhando a maior grana”. E eu falei: “Eu gosto de sexo, gosto de dinheiro, e nunca pude ter dinheiro”. Fiquei nessa vida por dez meses e vi que não tem nada de legal. O dinheiro que eu conseguia não pagava o estilo de vida que eu adquiri em São Paulo. Fiquei viciada em dinheiro, porque eu nunca tive. Mas passei por uma situação de violência muito grande que me fez querer abandonar as ruas. Depois comecei a namorar um rapaz que me tirou dessa vida. Ele tinha 18 anos e era muito rico, me dava tudo o que eu precisava, mas era meio conservador, e eu acabei virando dona de casa, porque tinha que lavar, passar, cozinhar, deixar a casa perfeita. E fiquei nessa vida um ano e meio. Até que um dia a gente brigou feio, ele me deu alguns socos, alguns chutes, eu peguei minhas coisas e voltei pra casa. Conheci o Femen depois que me recuperei.

    A ativista Sara Winter ©Facebook Sara Winter

    Como foi o processo de ruptura com o Femen?

    A gente já sabia que isso ia acontecer, porque desde que voltei da Ucrânia eu sempre “tretei” muito com elas. Elas me ensinaram a teoria do Femen e queriam que eu colocasse em prática só quando elas quisessem. Eu falei “vocês me ensinaram a espalhar a liberdade, eu quero usar isso quando a gente achar que deve”. Eu não fui lá aprender o negócio à toa, eu quero mudar o meu país. Elas se preocupavam muito com coisas que não tinham absolutamente nada a ver com a realidade brasileira. Elas queriam que eu fizesse um protesto na loja Ikea contra um edital que tinha saído na Arábia Saudita. Nem tem Ikea no Brasil. Queriam que eu pichasse o Cristo Redentor. Como eu vou pichar o Cristo Redentor? A gente já tava cansado de levar aqui no Brasil por causa das porcarias que elas faziam lá fora, e em abril soltamos um comunicado que o Femen Brazil não tinha nada a ver com o Femen Ucrânia. E então a Alexandra Shevchenko soltou uma nota dizendo que o Femen brasileiro não representava mais o Femen. Não foi surpresa, a gente sabia que uma hora isso ia acontecer.

    Como é a sua rotina?

    Tenho trabalhado com a minha equipe no novo movimento. Acordo, respondo uma entrevista, vejo o que tem que fazer na casa. Às vezes tem louça, eu lavo. As roupas do meu noivo também. Ele tá trabalhando, então eu ajudo. Como ele chega cansado do serviço, eu deixo uma comida bem gostosa pra ele comer. Adoro cozinhar, é gostoso isso.

    Por que você acha que o vídeo que você fez para as Lojas Silva em que se declara para ele causou tanta polêmica?

    Os brasileiros têm uma ideia muito primitiva de feminismo. Eles acham que feminista ou é homossexual ou uma mulher tão independente do sexo masculino que não se dá ao luxo de se apaixonar, de viver uma vida a dois. Então as pessoas se chocaram: “Nossa, mas ela não é feminista? Por que ela tem um um noivo? Por que está se declarando?”.

    Por que você não usa seu nome verdadeiro?

    Sempre usei nomes que não eram meus. Eu nunca coloquei meu nome de verdade na internet. Eu usava nicks diferentes, e o Winter já está comigo faz uns seis anos mais ou menos.

    Muitas pessoas comentam que você era simpatizante do nazismo e que teria adotado o nome de uma apoiadora do nazismo, Sarah Winter. Você sabia da existência dessa líder quando adotou o nome?

    Não, fiquei sabendo disso em agosto do ano passado, quando me contaram. Escolhi o nome por causa da Emilie Autumn, que é cantora e violinista. Eu gostava muito da Emilie, mas não queria ser a Sara Autumn. Eu até pensei em mudar o nome na época, mas optei por não mudar para as pessoas não pensarem que cada vez que fizerem uma pressão eu vou me render.

    Também se comenta que a tatuagem que você tem no peito seria uma cruz de ferro, um símbolo nazista.

    Não, a minha não, mas tem nazista que usa, assim como tem uma porrada de metaleiro que também usa. Mas as pessoas só chamam a mim de nazista, não chamam o Zakk Wylde (músico que foi guitarrista da banda de Ozzy Osbourne) de nazista. Eu fiz quando fui morar na Paraíba, tinha 16 anos. Sempre gostei muito dos cavaleiros templários, como também gosto de sociedades secretas, teorias da conspiração, etc. A primeira tatuagem que fiz é um símbolo da maçonaria, o esquadro e o compasso.

    Tem vários comentários na internet de que em algum momento você teve amigos nazistas, é verdade?

    Quando era nova, tinha 15, 16 anos, eu gostava muito de Primeira Guerra, Segunda Guerra e trocava ideia com pessoas pelo Orkut, que gostavam disso também. Mas eu não concordava e não conseguia entender por que eles não gostavam de judeu. Por que eu vou odiar uma pessoa se ela não fez nada pra mim? Eu nunca concordei com as ideias de eugenia, porque o meu pai é negro. Como eu poderia deixar de gostar do meu pai pra poder conversar com eles? Eles eram legais pra trocar música, porque eles gostavam de metal também, mas nunca cheguei a conhecê-los pessoalmente e não tenho contato faz muitos anos.

    Então você não se identificava com as teorias?

    Não, o que eu gostava era um pouco do conservadorismo, o lance que eles têm contra drogas, contra álcool. Eu não bebia, nunca usei drogas, era a única coisa que eu achava que era certo.

    Em algum momento você simpatizou com políticos conservadores, de extrema-direita, como Ronald Reagan?

    Nesse período da minha vida eu me identificava com coisas mais conservadoras. Coincidentemente, foi na época em que era prostituta. Eu tinha um anseio muito grande em parecer mais correta, menos culpada. Queria que as pessoas olhassem pra mim e vissem uma boa menina.

     Veja na galeria abaixo imagens de como as ativistas do Femen usam um “dress code” para dar a sensação de uniforme e poder de grupo:

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