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    Ventura Profana entre a cruz, a estrada e a encruzilhada

    Travessia, fé e rebeldia: quem é a artista que transforma o cuidado em revolução

    Ventura Profana entre a cruz, a estrada e a encruzilhada

    Travessia, fé e rebeldia: quem é a artista que transforma o cuidado em revolução

    POR Guilherme Rocha

    Cantora, compositora, teóloga, performer e travesti afro-religiosa, Ventura Profana tem construído uma das trajetórias mais singulares e potentes da arte brasileira contemporânea. Nascida em Salvador e criada no interior da Bahia, sua obra transborda espiritualidade, política e ancestralidade desafiando normas, religiosidades coloniais e estruturas de apagamento.

    Do ambiente batista à encruzilhada do candomblé, Ventura cria com o corpo, a voz e a imagem. Seu álbum “Todo Cuidado É Pouco” é uma ode ao cuidado como prática radical de sobrevivência e transformação, sobretudo para corpos dissidentes. Em suas músicas, ecos da infância, da estrada, da fé e do enfrentamento se costuram em poesia e som.

    QUEM É VENTURA PROFANA?

    Artista transdisciplinar, a cantora, compositora, performer, teóloga e travesti afro-religiosa tem feito de sua trajetória uma plataforma de questionamento, espiritualidade e criação. Nascida em Salvador e criada em Catu, interior da Bahia, Ventura cresceu no ambiente da igreja Batista, onde deu os primeiros passos na arte, não só como expressão estética, mas como forma de existir e participar coletivamente. Mais tarde, mudou-se para o Rio de Janeiro onde estudou fotografia, cinema e design gráfico na Oi Kabum, escola livre voltada a jovens em vulnerabilidade.

     

    UMA MÚSICA PARA COMEÇAR: “EU NÃO VOU MORRER

    Para quem ainda não conhece o trabalho de Ventura, a faixa é uma das melhores portas de entrada. A canção se destaca por sua potência espiritual e política, construída como uma verdadeira profecia de resistência em meio à violência contra corpos dissidentes. Com versos como “Fizemos da cruz a encruzilhada…”, a música subverte narrativas religiosas tradicionais e celebra a ancestralidade e a força das travestis negras. O videoclipe, gravado em território quilombola, reforça a mensagem de permanência e libertação, com imagens que evocam resistência ancestral e reconexão com o sagrado.

    ÁLBUM PARA CONHECER: “TODO CUIDADO É POUCO”

    Uma obra profundamente espiritual, política e poética, fruto de vivências íntimas e trajetórias marcadas por resistência e afeto. Com composições iniciadas no interior da Bahia e atravessadas por memórias da infância e da estrada, Ventura une tradição e vanguarda em arranjos que evocam o candomblé, o gospel e as raízes afro-brasileiras. Faixas como “Exu em Mim”, “giramundo” e “Mães” refletem essa busca por cura, conexão ancestral e reconciliação com o sagrado. Produzido por Jordi Amorim, o álbum tem colaborações marcantes, como da drag Preta QueenB Rull e do mestre percussionista Gabi Guedes.

    UMA CONVERSA COM A ARTISTA

    FFW: Quais são suas referências e quais são as características que marcam seu estilo, em termos de moda?

    Ventura: Sempre amei moda, sempre amei criar imagens… Acho que até por ter crescido ouvindo que eu me vestia errado, que andava errado, que fazia tudo errado, sinto que isso de alguma forma me afetou e não obedeço às normas ou tendências. Então tenho um estilo com o qual, eu diria que, à medida que o tempo passa, fico cada vez mais confortável. Mas só aconteceu porque já fui muito exagerada e muito megalomaníaca. Tenho amado usar tricôs, crochês, peças que de alguma forma carregam um trabalho manual, um trabalho artesanal. Ao mesmo tempo, tenho um lado super punk ainda dentro de mim, então de vez em quando esse lado vem à tona. Mas eu sou uma viajante. O tempo todo eu estou viajando, na estrada, fico meses com a mesma mala e tendo que me reinventar e vestir as coisas de formas diferentes. Então eu acho que eu sou uma pessoa bem adaptável. Tenho gostado cada vez mais de usar branco é uma peça que eu acho que não pode faltar no meu guarda-roupa é uma bota de píton.

     

    FFW: O que te inspirou a criar este último álbum? Pode nos contar sobre o processo de produção das músicas? 

    Ventura: O álbum nasce como uma resposta aos meus próprios processos de vida. Amo cantar, não consigo me imaginar vivendo sem a música. E esse álbum fala um pouco sobre os meus conflitos, minhas transformações. Acho que ele dá conta de apresentar alguns dos muitos amadurecimentos que vivi em relação à maneira como caminho no mundo. O processo de produção das músicas começa no interior da Bahia, ali por Serra Grande. Me recolhi ali por um tempo ao lado da musicista Beà Ayòólaá. A partir daquele momento, começamos a compor – surgiram duas, depois três faixas que integram o álbum: Mães, Gira Mundo e Exu em Mim. São músicas que carregam muito da força da natureza, porque eu estava literalmente vivendo em frente ao mar, numa praia deserta onde o rio Olímpico encontra o mar. Uma paisagem de abundância e tranquilidade. Acho que essas foram as diretrizes para a construção do álbum. Eu queria muito produzir um trabalho que caminhasse na contramão da violência, da ansiedade. E sinto que as músicas refletem isso. Depois, voltei para Salvador e finalizei a composição do álbum entre lá e o Espírito Santo. Passei mais ou menos um ano compondo. 

     

    FFW: Qual é o tema central do álbum? 

    Ventura: O tema central do álbum é o cuidado: de que maneira a gente se treina, se adapta, para instituir uma dinâmica de vida, uma rotina que priorize os cuidados, a ciência dos cuidados. Sinto que, como pessoa racializada, como travesti em um mundo que odeia travestis, em um país completamente racista — ou seja, olhando por uma perspectiva sociopolítica — existe um plano de matança contra o meu povo, contra nossas famílias, contra as minhas amigas, contra aquilo que eu sou. Como diz Conceição Evaristo, “a gente combinou de não morrer”. Acredito que só conseguimos cumprir esse acordo conosco quando estabelecemos o cuidado como prioridade – uma prioridade séria. Não estou dizendo que é fácil cuidar de si. É doloroso, difícil, desafiador. Muitas vezes, confuso. Mas o que sinto ser importante é estabelecer o cuidado como diretriz, como algo inegociável, como um processo mesmo. O álbum vem disso, porque mesmo a gente cuidando, mesmo a gente estabelecendo todos os cuidados, a ciência por cuidar de uma forma eficaz e excelente, ainda parece pouco diante das limitações, dos desafios, das violências que esse mundo nos reserva. O título do disco vem muito das minhas experiências de vida mesmo, né? Ainda que eu cuide, ainda que eu priorize o cuidado, ainda que eu deseje cuidar, eu não consigo cuidar de tudo. Então, todo cuidado é pouco. 

     

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