Tarsila do Amaral e Paul Poiret: Amizade e o vestido de casamento histórico
No aniversário de Paul Poiret, lembramos da amizade e da troca criativa com Tarsila do Amaral, com quem não só vestiu mas também construiu uma imagem.
Tarsila do Amaral e Paul Poiret: Amizade e o vestido de casamento histórico
No aniversário de Paul Poiret, lembramos da amizade e da troca criativa com Tarsila do Amaral, com quem não só vestiu mas também construiu uma imagem.
“Caipirinha vestida de Poiret. A preguiça paulista reside nos teus olhos, que não viram Paris, nem Piccadilly, nem as exclamações dos homens.” A frase é de Oswald de Andrade, no poema Atelier em que ele se declama romanticamente a Tarsila do Amaral, sua amada. Mas o nome que aparece ali — Paul Poiret — diz muito sobre o que vestia (e o que significava vestir) Tarsila do Amaral.
Poiret não era apenas um costureiro francês do início do século XX. Era o tipo de figura que entendia a moda como narrativa. Cada peça saía do seu ateliê como se fosse uma história: túnicas que lembravam quimonos, vestidos com nomes próprios, tecidos inspirados no Marrocos, joias e perfumes com o nome da filha (Rosine). Isso sem falar nos mobiliários que eram desejo entre as fashionistas da época, que queriam se vestir e vestir a casa de Poiret. Ele era um dos poucos naquele tempo que pensava em moda como um todo — da roupa ao cheiro, da festa ao cenário.

Quando Tarsila ia a Paris, não saía apenas com vestidos sob medida. Poiret também desenhava móveis, acessórios e looks completos para ela. A relação entre os dois era estética, íntima e cheia de fantasia. Segundo Carolina Casarin, no livro O Guarda-Roupa Modernista, foi a partir de 1923 que Tarsila começou a se vestir mais intensamente com peças de Poiret. Isso coincidiu com o momento em que sua imagem pública deixava de ser discreta e assumia o visual exuberante que conhecemos hoje.
A pintora usava Poiret como quem performava: em jantares, festas e até na fazenda da família no interior de São Paulo. Era a fase em que os vestidos encurtavam, os braços apareciam, os tecidos ganhavam camadas e ornamentos. Como diz Casarin, a figura da “mulher elegante e rica” se convertia na imagem da “artista exuberante” — e Poiret tinha tudo a ver com essa transformação. Afinal, ele fez o papel de stylist muito antes da profissão existir, ajudando a criar atmosfera, personalidade e imagem pública por meio de suas criações.

Na contramão das silhuetas práticas de Chanel ou técnicas de Vionnet, Poiret preferia o espetáculo. Suas roupas não queriam passar despercebidas. Queriam causar. Um bom exemplo disso é o vestido Écossais, usado por Tarsila em sua primeira exposição individual, na Galeria Percier, em Paris — uma peça com padronagem gráfica marcante e estrutura reta, que dizia mais sobre ela do que mil entrevistas.

a capa que acompanhava o look, feito por Poiret.
Mas talvez o momento mais simbólico dessa parceria tenha sido o vestido de casamento entre Tarsila e Oswald, em 1926. A peça, criada por Poiret a partir da cauda do vestido da mãe do noivo, era creme, com uma capa branca de veludo e gola em pé. Não há imagens da cerimônia, só descrições. E o próprio vestido hoje é um conjunto de fragmentos guardados na Pinacoteca. Fragmentos que, como define Casarin, formam uma roupa antropofágica: misto de tradição familiar e atualização modernista.

Poiret também era isso. Um estilista que não desenhava apenas para o corpo, mas para a atmosfera. Criava desfiles que pareciam festas, eventos com música, encenação, gente. Ele entendeu antes de muitos que a moda podia ser espetáculo — e que o estilista podia ser autor. Apesar disso, sua maison fechou em 1929. A moda seguiu outros rumos. O modernismo também. Mas as imagens — ainda que em fragmentos — permanecem.