O hype esfriou: por que a revenda de sneakers está em decadência?
O resale, que já foi investimento garantido, agora enfrenta um momento de baixa movido por saturação e mudança no consumo.
O resale, que já foi investimento garantido, agora enfrenta um momento de baixa movido por saturação e mudança no consumo.
O hype esfriou: por que a revenda de sneakers está em decadência?
O resale, que já foi investimento garantido, agora enfrenta um momento de baixa movido por saturação e mudança no consumo.
O resale, que já foi investimento garantido, agora enfrenta um momento de baixa movido por saturação e mudança no consumo.
Entre filas vazias, estoques encalhados, margens apertadas e lojas fechando, o mercado de revenda de sneakers parece ter perdido parte da energia que o definiu na última década. Mas será que o resale morreu mesmo? Ou estamos apenas atravessando uma mudança de fase? Hoje, destrinchamos como o resale explodiu, o que levou à desaceleração atual e quais caminhos estão se abrindo para o futuro.
O boom do resale: de cultura a negócio bilionário
No começo dos anos 2010, o resale de sneakers passou de prática de nicho entre sneakerheads para um verdadeiro ecossistema global. A ascensão de plataformas como StockX, GOAT e Stadium Goods (lá fora) e Dropper e Pineapple Co. por aqui profissionalizou a revenda, que passou a ser encarada como investimento. Silhuetas como o Jordan 1, Nike Dunk e os Yeezys passaram a circular como ativos especulativos, com valores flutuantes e margens tentadoras – um prenúncio do que mais tarde se consolidaria como um mercado de commodities. Em 2021, auge da febre e período de pandemia, alguns pares dobraram ou triplicaram de valor em questão de horas.
Saturou: o que causou a crise?
A partir de 2023, os sinais de fadiga ficaram evidentes. Menos sneakers esgotavam no varejo, e cada vez mais modelos apareciam com preços abaixo do valor de retail nas plataformas de revenda. O principal motivo foi o excesso de oferta: marcas como Nike e Adidas aumentaram a produção de silhuetas clássicas como Dunk e Jordan 1 até o ponto da exaustão. Com tantos pares no mercado, até os ‘‘mais quentes’’ perderam valor. Some isso a uma crise econômica global e à pressão inflacionária, e o desejo virou cautela.
‘‘Com certeza o mercado deu uma caída, não só aqui no Brasil como lá fora também’’, afirma Matheus Zeller, revendedor e dono da Zeller Plug. ‘‘Acredito que o fator principal foi uma saturação pelas próprias marcas que trouxeram muitos lançamentos em um curto período de tempo, os quais não agradaram tanto o público, somado ao aumento dos valores dos pares.’’
A publicitária e criadora de conteúdo Karem Keiko aponta ainda que as próprias marcas parecem ter tomado medidas para enfraquecer o resale. ‘‘As grandes marcas aumentaram o estoque dos modelos mais procurados justamente para tentar diminuir o mercado de revenda. A demanda aumentou e a oferta também.’’
O avanço dos superfakes também abala o mercado
Isso sem falarmos do mercado dos superfakes, que reproduzem os modelos exclusivos com fidelidade e são facilmente importados diretamente de fábricas asiáticas – muitas vezes as mesmas responsáveis pelos originais – por uma fração do preço. Essa proliferação de réplicas quase perfeitas confunde o consumidor, drena o desejo por pares autênticos e representa uma ameaça silenciosa tanto para revendedores quanto para as próprias marcas.
Mudança de perfil
Se antes o consumidor buscava o design mais raro e diferenciado, hoje o apelo é por modelos mais acessíveis, confortáveis e com estilo atemporal. Silhuetas como adidas Samba, Nike P-6000 e Asics Gel-Kayano passaram a dominar as vendas. O comportamento também mudou: os consumidores estão mais estratégicos, balanceando desejo com preço justo. E, no resale, quem antes lucrava alto em poucos pares agora precisa girar muito mais volume com margens reduzidas para manter o jogo rodando.
‘‘O consumidor começou a buscar novas alternativas para adquirir aqueles pares que tanto deseja, esperando por promoções nas lojas retailers ou procurando comprar produtos usados em boas condições, que têm valor cerca de 30-50% mais em conta’’, explica Zeller.
Karem reforça: ‘‘Talvez a gente comece a ver revendedores passando tênis por valor muito similar ao valor de retail, ao invés do dobro ou triplo do preço como era anos atrás.’’
Ainda existe hype?
Sim. O hype não morreu, mas ficou mais seletivo. Colaborações com Travis Scott, modelos retrô como o Jordan 12 Flu Game e o retorno do Foamposite ainda alcançam preços altos. Mas agora representam uma excessão, não a regra. Dados de 2024 mostram que 47% dos lançamentos revenderam acima do valor de mercado, contra 58% em 2020. O desejo ainda existe, mas não é automático.
Segundo o consultor cultural Alexandre Felix, ‘‘o produto que mais gera venda hoje não é necessariamente o mais raro, mas sim aquele que representa um grupo, uma comunidade.’’ Para ele, o valor simbólico fala mais alto que a escassez. ‘‘A exclusividade passou a ser quase excludente.’’
Novos nomes, novas narrativas
A diversificação do mercado também é um reflexo da mudança. Marcas como Hoka, On e Asics ganharam espaço apostando em storytelling, conforto e colaborações relevantes. A era do monopólio Nike-Jordan-adidas deu lugar a um mercado mais pulverizado, em que consumidores estão abertos a novas estéticas e propostas – uma mudança que também está abrindo caminho para o crescimento do segmento feminino. Zeller observa esse movimento de forma prática: ‘‘Modelos da Asics e New Balance que antes não tinham tanto destaque começaram a ter uma boa procura nos últimos anos.’’
O futuro é mais maduro (e menos amador)
Hoje, não basta ganhar uma rifa e revender para lucrar. O resale virou um jogo de planejamento, relação com fornecedores e operações estruturadas. Os grandes revendedores estão migrando para o modelo de volume e até diversificando seus catálogos com streetwear, eletrônicos e high fashion. A cultura segue viva, mas mais exigente e menos impulsiva. Para onde vamos agora? Provavelmente para uma fase mais criativa, menos inflacionada e com menos status e mais estilo. E isso não parece tão ruim assim.
‘‘O mercado se tornou mais nichado e principalmente para quem já estava estabelecido com uma boa cartela de clientes. Começar hoje é bem mais difícil’’, admite Zeller. ‘‘São poucos lançamentos que realmente valem o investimento de tempo e dinheiro.’’ Felix aposta em um futuro ainda pulsante, mas transformado. ‘‘O resale vai continuar existindo, mas dentro de uma lógica menos ‘hype’ e mais segmentada.’’ Para ele, o que move desejo hoje são ‘‘histórias bem contadas, produtos que dialogam com a comunidade de forma autêntica e real. Preço, narrativa e conexão cultural são fatores mais relevantes do que exclusividade pura.’’ E Keiko finaliza: ‘‘O sneakerhead de verdade continua do mesmo jeito, comprando o que gosta, estudando a história dos pares, comprando aquele tênis que o TikTok acha estranho, mas que tem significado.’’