Marina Zabenzi e a arte de capturar o movimento
A artista multimídia explora movimento, velocidade e temporalidades urbanas em seu segundo fotolivro, conectando fotografia e audiovisual em uma narrativa contínua.
Marina Zabenzi e a arte de capturar o movimento
A artista multimídia explora movimento, velocidade e temporalidades urbanas em seu segundo fotolivro, conectando fotografia e audiovisual em uma narrativa contínua.
Entre carros, pessoas em movimento e o ritmo das ruas, Marina Zabenzi constrói um universo visual em que o tempo e a velocidade se transformam em narrativa. Com uma trajetória que atravessa videoclipes, projetos autorais e colaborações com artistas como Anitta, Ana Frango Elétrico e Maria Bethânia, a artista multimídia carioca desenvolve uma pesquisa imagética que conecta fotografia e audiovisual, explorando como cada imagem pode carregar múltiplas camadas de movimento, som e sequência.
Em seu segundo fotolivro, ‘‘CARROS’’, Marina leva essa investigação a um novo patamar. O trabalho combina imagens encenadas e espontâneas, criando uma narrativa contínua que dialoga com dípticos, temporalidades urbanas e o ritmo das cidades. Em entrevista à FFW, a artista contou sobre o processo de criação do livro, a relação entre seus projetos autorais e colaborações musicais, e como seu olhar evoluiu desde o primeiro fotolivro, ‘‘ENTRE’’, até a estruturação meticulosa e imersiva de ‘‘CARROS’’.
Você já conhecia a Marina?
Entre imagens em movimento e imagens fixas, como você entende a relação entre o audiovisual e a fotografia dentro da sua pesquisa artística?
Eu sinto que existe uma diferença muito gritante entre os dois processos. Na fotografia, o caminho é mais investigativo: você trabalha em direção a um resultado único, que é a própria imagem fotográfica. Já no audiovisual, você lida com múltiplos resultantes ao mesmo tempo — o movimento, o som, o corte, o que vem antes e o que vem depois.
Gosto de pensar que, mesmo quando trabalho apenas com uma fotografia, ela carrega em si a potência dessas outras camadas — o som que poderia existir, a sequência que poderia vir antes ou depois. Dentro da minha pesquisa, essa maneira de enxergar faz com que fotografia e audiovisual acabem adquirindo pesos parecidos. São linguagens muito diferentes, mas que, quando atravessadas no meu processo, passam a ter uma importância equivalente.
CARROS surge como uma continuação do seu interesse por dípticos e narrativas fragmentadas. O que te levou a escolher a temática da velocidade e das máquinas para aprofundar esse método de criação?
Depois do ENTRE, eu comecei a separar assuntos para uma nova pesquisa. Esses assuntos se organizavam em quatro pilares a partir da ideia de tempo — o tempo dos objetos e das existências. Surgiram então quatro temas: adolescentes, cachorros, carros e estátuas. Isso há cerca de cinco anos. Dentro do processo, fui explorando cada um deles, mas na seleção final acabou sobrando o carro como centro da investigação sobre o tempo.
É importante dizer: o livro não é sobre carros. O título é ‘‘CARROS’’, mas a imagem, por exemplo, pode ser de um dedo mindinho machucado. A ideia é que o título funcione como um objeto de comparação, sendo colocado frente a frente com cada imagem. Assim, ele se compara a tudo o que aparece. Quando surge um carro de fato, vira quase um eco: “carro, carro”. O tema da velocidade e da maquinaria fica mais latente, mas logo depois aparece uma perna correndo, um peito, uma figura em movimento.
O livro também é pensado como um díptico em si, no sentido de se comparar dentro dele mesmo, como acontece no audiovisual: existe sempre uma cena anterior, uma cena atual e uma cena seguinte, todas interligadas. Não há como escapar de dentro da história — assim como não há como um carro sair da rua e cortar a cidade por fora do seu caminho. O livro é isso: um caminho inteiro, fechado em si, que só pode ser percorrido de dentro.
Seu trabalho transita entre colaborações com grandes nomes da música brasileira e projetos autorais intimistas. O que cada universo te ensina e como eles se retroalimentam na sua trajetória?
A colaboração com outros artistas é, na verdade, o que alimenta a minha própria pesquisa. Esses universos acabam se retroalimentando, porque muitas vezes eu levo aspectos da minha investigação pessoal para dentro do trabalho de um artista. Foi o caso, por exemplo, com a Ana Frango Elétrico — alguém muito próxima de mim — em que a pesquisa de CARROS aparece no clipe Insista em Mim.
Trabalhar com pessoas próximas, que atravessam tanto os projetos autorais quanto as colaborações, cria uma continuidade natural entre esses campos. Além disso, a pesquisa imagética de um disco costuma nascer do zero: você precisa criar personagens, intenções, atmosferas — ou então absorver as intenções do próprio artista e traduzi-las visualmente. Esse processo acaba expandindo minha pesquisa pessoal, e ao mesmo tempo, a minha pesquisa também expande o trabalho dos artistas com quem colaboro.
Você já foi publicada em veículos de moda e artes visuais e também assinou visuais de turnês como a de 60 anos da Maria Bethânia. Como você negocia essa fronteira entre o registro documental e a construção estética?
Acho que, cada vez mais, a minha linguagem tem se afastado de um caráter puramente documental — mesmo quando lido com imagens que não são encenadas. O que me interessa é o treino do olhar e as soluções possíveis que surgem a partir do meu repertório interno.
No fundo, para mim, essa fronteira não existe. O documental é estético, e o estético é também documental, porque tudo está inserido no tempo. Se existe no tempo, é documento.
No seu percurso entre o primeiro fotolivro, ENTRE, e agora CARROS, quais mudanças mais marcaram sua forma de olhar para as imagens e para o próprio ato de narrar através delas?
O processo do ENTRE não foi intencional para se tornar um fotolivro, enquanto o CARROS já nasceu com esse destino. O CARROS era um fotolivro antes mesmo de eu começar a fotografar: foi construído de forma estruturada, com uma pesquisa direcionada. Já o ENTRE surgiu como um compilado espontâneo de imagens feitas no celular, que eu ia juntando na hora. Ele foi, na prática, o método que criei para começar a estudar e entender qual seria a minha linguagem fotográfica.
O ENTRE também tinha um aspecto social muito presente: eu fotografava amores, amizades novas, e enviava as combinações de imagens para as pessoas retratadas. Havia uma dimensão de troca, de documento vivo desses encontros. Eu fazia várias opções, combinava imagens de diferentes formas, e fui percebendo que existia uma métrica interna ali, ainda que não formalizada.
Já o CARROS foi o oposto: cinco anos de imagens, montagens e escolhas que já se organizavam com a intenção de formar um livro. Nele, as fotografias não estão sozinhas: elas dialogam entre si dentro de uma estrutura. Enquanto no ENTRE cada imagem tinha apenas a sua dupla e não se conectava intencionalmente com o restante das páginas, noCARROS a narrativa é contínua, construída como um corpo único.