Entre o analógico e o Digital: como Edu Nunes ressignifica o audiovisual
Entre o analógico e o Digital: como Edu Nunes ressignifica o audiovisual
Em tempos de excesso de estímulos, imagens ultra nítidas e algoritmos que aceleram tudo, o trabalho de Eduardo Nunes — mais conhecido como @papodipokas — parece apertar o freio com delicadeza. Seus vídeos, gravados com câmeras mini DV compradas no Mercado Livre, têm textura de fita, presença analógica e um tipo raro de cuidado: aquele que nasce do olhar atento de quem transforma em beleza e afeto o que muitas vezes é considerado erro. A abordagem do artista tem conquistado nomes da moda como Misci e Piet, marcas para as quais produziu vídeos na última SPFW, e da música, caso de Jaloo.
Criador audiovisual, nascido e criado na Cohab 1, na Zona Leste de São Paulo, Edu começou a filmar em 2021 como uma forma de reencontro com a própria história — com a infância, quando brincava de dirigir filmes com as amigas da rua, usando um MP5 da mãe.
O que era despretensioso logo virou linguagem. Misturando referências visuais independentes, cultura de quebrada, moda e música, Edu construiu uma estética própria que valoriza o improviso, a memória e a emoção antes da técnica. Hoje, é um dos nomes que mais representam o que se convencionou chamar de “lovesong visual” brasileiro — uma estética caseira, sensível e intencional, que fala mais com o coração do que com o pixel.
A seguir, leia a conversa de Edu com o FFW.
Como e por que você começou a trabalhar com vídeo?
Comecei com as câmeras de fita (especificamente miniDV) em 2021 como uma forma de resgatar o que eu amava fazer quando era mais jovem. Foi uma época em que eu estava no CLT, triste, era pandemia, e precisava voltar a fazer algo que me emocionasse. Comprei uma handycam no Mercado Livre e comecei a filmar minhas amigas, os rolês… Tudo sem pretensão. Nisso, fui consumindo e me inspirando em artistas que usavam o erro como estética, como @rollinos, @limtrf, @desacatopm e @mynamelouis. Antes eles eram uma referência, hoje são colegas e parceiros. Sou da Cohab 1, Zona Leste, e sempre gostei de vídeo. Quando criança, dirigia minhas amigas nas produções de rua com um MP5 da minha mãe. Demorou para eu entender que não precisava ter o melhor equipamento — era só começar com o que eu tinha.
O que você considera como o diferencial do seu trabalho?
Acho que é essa escolha consciente de usar uma tecnologia antiga, como a miniDV, no contexto digital. Enquanto tudo caminha para a perfeição e resolução máxima, eu abraço o contrário como narrativa. A textura da fita, o “erro”, o ruído… tudo isso carrega uma sensação que não se traduz só visualmente. É mais tátil, mais emocional.
O que você acha que moldou o seu olhar, o seu estilo?
A minha vivência. Cada um enxerga o mundo de um jeito, e o meu é moldado por onde moro, o metrô que pego, onde corto o cabelo… Até o funk da quebrada me atravessa. E fora que eu também consumo muita moda, arte, cultura pop. Misturo tudo isso no meu trabalho de forma muito pessoal. É isso que torna tudo único, mesmo quando há referências em comum.
Existe uma mensagem central que você busca passar?
Sim, que é possível criar com o que se tem. A intenção vem antes da tecnologia. E também: sonhar é possível. Todos os meus trabalhos são sonhos antigos que hoje consigo realizar. E quero que outras pessoas também sintam que podem fazer o mesmo, mesmo com pouco recurso.
Você acredita que seu trabalho dialogue com alguma urgência do nosso tempo?
Sem dúvida. A gente vive num ritmo acelerado, cheio de imagens o tempo todo. Meu trabalho provoca uma pausa. As pessoas se perguntam por que uso uma câmera antiga, se surpreendem, lembram da infância… E isso gera conversa, estranhamento, memória. Acho que minha estética resgata uma autenticidade que está meio soterrada hoje.
Como funciona seu processo criativo? Você pesquisa muito ou segue a intuição?
Depende do projeto. Muitos diretores me deixam livre para criar, o que é maravilhoso. Mas sempre tem um momento de mergulho em referências — visuais, sonoras, afetivas. É um freestyle guiado pelo sentimento. Eu parto do que me atravessa.
E quando o bloqueio bate? O que você faz?
Acontece bastante. Quando isso rola, eu me afasto do celular, da câmera, de tudo. Vou buscar silêncio. Fecho os olhos, observo o mundo, olho pela janela do ônibus… Às vezes uma ideia vem do nada, como um salto. Eu respeito esse tempo, sem forçar. A gente vive num ritmo tão rápido que parece que o cérebro “trava”, igual computador. E o corpo também precisa reiniciar.
Quais são os desafios de criar num momento de tanto conteúdo sendo produzido?
A maior pressão é fazer rápido e perfeito. Mas esse não é meu ritmo. Tento me adaptar sem perder minha essência. Existe um público que valoriza esse cuidado, esse tempo. E sigo me conectando com ele.
O que você espera despertar em quem vê seus vídeos?
Gosto quando as pessoas se perguntam. Tipo: “Por que essa câmera antiga?”. Sempre que alguém me pergunta isso — como os motoristas de Uber perguntam, e eu explico. E depois que veem os vídeos, muitos se emocionam. É a nostalgia, a lembrança de um tempo mais humano. E isso, por si só, já vale tudo.