Como os esportes na natureza viraram estética urbana e estilo de vida
Práticas como hiking, trilhas e trail running deixaram de ser nichadas e ganham força como forma de desconexão digital, reconexão com o corpo e estilo também nas cidades.
Como os esportes na natureza viraram estética urbana e estilo de vida
Práticas como hiking, trilhas e trail running deixaram de ser nichadas e ganham força como forma de desconexão digital, reconexão com o corpo e estilo também nas cidades.
De escaladas a trilhas, passando por acampamentos e provas de trail running, os esportes na natureza deixaram de ser nichados e vêm conquistando cada vez mais adeptos. Na tentativa de escapar da lógica dos treinos indoor, das academias, e mesmo das corridas de rua, práticas como hiking e corrida em trilhas se tornaram uma válvula de escape e uma alternativa para reconectar corpo e mente com a natureza. O resultado foi um crescimento visível tanto no número de praticantes quanto na popularidade desses esportes nas redes sociais, que hoje funcionam como palco e propulsor de uma nova cultura outdoor, em que bem-estar, desafio físico e estilo de vida caminham juntos.
É nesse contexto que surge a BeOne UP, coletivo criado pelo diretor criativo Wut. Segundo ele, o interesse por esportes outdoor nasceu da vontade de viver experiências longe da cidade. “Sempre gostei de praticar esportes ao ar livre e afastado da cidade. […] A BeOne UP surgiu a partir dessa ideia de gostar da prática de esportes nesses lugares e também de mostrar novas possibilidades de interações nesses ambientes com esporte para as pessoas’’, conta. Para ele, o apelo dos esportes ao ar livre está justamente em oferecer um “desligue para o comum”, um choque de realidade frente à correria da vida urbana. “É adrenalina, oxigenação para o cérebro”, resume.

Quando a função vira moda
Com o boom das práticas outdoor, uma nova estética ganhou tração: o gorpocore. O termo vem da expressão ‘‘good ol’ raisins and peanuts’’ (gorp), uma gíria de trilheiros para um mix de frutas secas – e virou rótulo de um visual que mistura peças técnicas de alta performance com estilo urbano. Pense em calças cargo, jaquetas impermeáveis, mochilas utilitárias e tênis robustos invadindo as ruas das cidades – e não apenas as trilhas.

O visual, inicialmente impulsionado por marcas como Arc’teryx, Salomon, The North Face e Nike ACG, rapidamente ganhou releituras fashion – como a colaboração da Gucci com a North Face ou a Loewe com a On. Mas o sucesso do gorpocore não é só estético: ele é funcional, versátil e conversa com um modo de vida em que o corpo está em movimento e o clima pode virar de uma hora para outra. Como explica Wut : “Essas roupas estão inseridas nesses cenários por conta de necessidade, temos mudanças bruscas de temperatura em um dia, chuvas e ventos que chegam do nada, então essas roupas estão sendo usadas porque tem funcionalidade nesses ambientes de correria e mudanças climáticas’’.
Fernando Schlaepfer, fotógrafo e criativo do Rio de Janeiro, acostumado a praticar esportes outdoor, segue o mesmo raciocínio de Wut. ‘‘Sem dúvida, performance faz parte da equação, mas nem por isso vou usar uma parada que acho horrorosa, só porque ela vai ser funcional. Então, para mim é bastante um mix dos dois. Acho que o que estou usando faz parte da diversão, né?’’.

O multi-esportista Aoran Draganov, que trocou o asfalto pelas trilhas após uma prova em Campos do Jordão, também sente essa mudança de olhar sobre o visual outdoor. “De alguns anos pra cá, a galera olha diferente para o que vem da montanha – virou estilo também, não só função”, diz. Ele, que já vinha do surf e do skate, encontrou no trail running uma nova forma de se expressar corporalmente e esteticamente. “O conforto e a função vieram pra frente, mas ainda levo comigo a essência do workwear, surf e skate que são grandes referências pro meu estilo, só que ao invés de um Vans Slip On surrado agora é um Salomon XT6 all black’’.

E as marcas nisso tudo
Enquanto as trilhas ganham mais adeptos e os looks outdoor ocupam as ruas, as marcas precisam acompanhar esse novo perfil de consumidor – alguém que valoriza design funcional, performance, estilo e propósito. Muitas delas já entenderam a equação: não basta mais vestir bem no esporte, é preciso conversar com um lifestyle urbano que se projeta para além do momento da prática. Marcas internacionais como On, Satisfy e Hoka vêm se posicionando como símbolo dessa intersecção entre esporte e moda.
No Brasil, a Olympikus também já percebeu o crescente interesse por práticas esportivas em meio à natureza e vem investindo em experiências focadas nessa relação como Festival Bota Pra Correr, que acontece duas vezes ao ano em destinos remotos do país e propõe uma nova forma de viver a corrida – com menos foco em performance e mais atenção à conexão com o corpo, o ambiente e outras pessoas reforçando o compromisso da marca com um esporte mais acessível, sensorial e integrado à natureza.
‘‘É uma forma de estar na natureza, voltar para o campo, desacelerar e se alinhar com um ritmo mais orgânico. […] Hoje, as pessoas querem funcionalidade, conforto e performance, independentemente de estarem na trilha, no asfalto ou no dia a dia urbano. A verdade é que a vida na cidade também é uma selva — e, nesse contexto, tênis robustos, solas inspiradas no trail, tecidos resistentes e funcionais acabam se tornando a indumentária ideal para enfrentar os desafios do cotidiano’’, explica Márcio Callage, diretor de marketing da Olympikus. ‘‘Na Olympikus, entendemos que o design precisa responder a esse novo comportamento. O consumidor não quer mais escolher entre performance e estilo – ele quer os dois. Não falamos só sobre performance, mas sobre histórias, sobre experiências, sobre o impacto positivo que o esporte e o movimento têm na vida das pessoas. Queremos construir uma marca que representa esse novo momento da cultura esportiva, onde estar ativo é também uma escolha de estilo de vida’’, finaliza.

O lifestyle como guia
Mais do que um dress code, o visual outdoor reflete uma mentalidade. Vestir peças técnicas, pensar na mobilidade do corpo e buscar a natureza como espaço de fuga são hoje escolhas que moldam o cotidiano de uma geração. Não se trata apenas de praticar esporte, mas de viver de forma mais conectada com o ambiente e consigo mesmo.
‘‘Poucas pessoas (no meu meio) estão nessa apenas pelo bem-estar, até porque acho que não é o tipo de exercício mais prático, né? Você se meter numa trilha, você fazer um hiking, você escalar uma parada, não é um negócio que você sai de casa e a academia da tua esquina tá ali. É outra coisa, é outro tipo de programação. Então, acho que envolve muitas coisas, envolve muito social. Eu não tenho dúvida nenhuma de que para uma fatia muito grande dessas pessoas, a moda está diretamente ligada – e a moda que estou falando também é a da roupa. Mas também estou falando sobre o comportamento. O esporte também tem suas fases e suas modas. E muitas pessoas são impactadas por isso, o que acho super positivo’’, finaliza Fernando.
No fim, seja correndo em trilhas, escalando rochas ou apenas caminhando com um corta-vento na cidade, a estética outdoor representa mais do que uma tendência visual: é um reflexo de uma nova forma de viver ainda mais fluida, natural e consciente. A montanha pode até estar longe, mas o espírito dela já tomou conta das ruas.