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    Comme des Garçons abre primeira loja no Brasil: “É um bom microcosmo de tudo o que a marca representa”

    A cultuada grife de Rei Kawakubo abre as portas no Shopping Iguatemi SP com todas as linhas, de roupas a perfumes.

    Comme des Garçons abre primeira loja no Brasil: “É um bom microcosmo de tudo o que a marca representa”

    A cultuada grife de Rei Kawakubo abre as portas no Shopping Iguatemi SP com todas as linhas, de roupas a perfumes.

    POR Augusto Mariotti

    “Estávamos de olho no Brasil há muito tempo”. Foi assim que começou meu papo com  Adrian Joffe, presidente da Comme des Garçons, sobre a aguardada chegada da marca ao Brasil, no Shopping Iguatemi São Paulo, às vésperas da abertura da primeira loja da cultuada grife japonesa no país. 

    Uma breve história da CDG

    Fundada por Rei Kawakubo em 1969 em Tóquio, a grife tomou o mundo de assalto no início dos anos 1980 quando passou a desfilar em Paris suas coleções que mudaram completamente o que até então era entendido como moda. No lugar de clássicos ou de designs minimalistas, as coleções da marca são um desafio às formas do corpo e um constante questionamento das regras pré-estabelecidas pela moda ocidental. Com coleções de nomes tão provocadores quando as roupas – Bad Taste, Transcending Gender, Not Making Clothing e Monster são alguns deles –, Rei Kawakubo construiu, com a ajuda de Joffe, com quem é casada há mais de 30 anos, um império que hoje se expande pelo mundo. As diferentes linhas de roupa, acessórios e perfumaria faturam, juntas, 320 milhões de dólares. Já as lojas conceito Dover Street Market viraram ponto de peregrinação para pesquisadores de tendências e apaixonados por moda e design.

    Pioneiro das lojas pop-up, Joffe introduziu o conceito em 2004 e o aplicou até 2011: a ideia era levar o estoque morto da marca para cidades que não tinham CDG. Sem quase nenhum investimento, apareceram endereços em Berlim, Singapura, Varsóvia e Reykjavik. O conceito de guerrilha na CDG terminou quando outras marcas passaram a fazer igual e o formato se tornou mainstream.

    Expansão global e Brasil

    Agora, como parte de sua expansão global, a Comme des Garçons abre as portas de sua primeira loja no Brasil no Iguatemi São Paulo, e espera atrair para o shopping um público mais jovem que migrou seus hábitos de compra para a internet. “É uma loja bem pequena mas muito bonita e acho que realmente captura a força e o DNA da Comme des Garçons. Ela vai vender produtos da Comme des Garçons, camisetas Comme Garçons Shirt, perfume e carteiras da Play, e tudo mais. Espero que as peças fortes vendam logo na abertura, essa é a minha esperança” diz Adrian.

    A seguir, leia minha conversa com Joffe e James Gilchrist, diretor da marca para as Américas, sobre Brasil, Rei Kawakubo, a importância de somar visão criativa e negócio, Jacquemus, o desafio das novas marcas e o valor da independência.

    Augusto: O que vocês sabiam sobre o Brasil antes de decidirem abrir uma loja aqui? 

    Adrian: Bom, nós conhecemos o Brasil há muito tempo. Estávamos, tipo, de olho no Brasil há muito tempo. O James veio há apenas dois anos. Mas eu vim, tipo, há 25 anos. Não me lembro exatamente por que vim, mas sempre me senti atraído pela cultura, pelas cores, pela música e pela comida. Eu só queria ver, sabe? Mas não parecia ser o momento certo ainda para abrir uma loja aqui. Mas, sempre fomos atraídos pelo país. Também pela economia. É um país grande. Tem muita natureza. 

    James: É, quer dizer, sempre me senti atraído pelo design e pela arquitetura brasileiros. Arquitetos são muito fãs da arquitetura brasileira.

    Augusto: Somos muito reconhecidos por nossa arquitetura e design.

    James: Eu sempre tive interesse no Brasil. E então, no trabalho, eu estava vendo cada vez mais brasileiros entrando nas lojas em Nova York, Los Angeles e Paris, muitos brasileiros começaram a comprar. E eu tinha um amigo que trabalhava como consultor para a JHSF, e comecei a conversar com ele sobre como levar a CDG para o Brasil. Porque temos muitos clientes agora e podia ser interessante. E é um lugar incrível. Sempre quis vir. E, ao mesmo tempo, o Iguatemi mandou um e-mail para um colega em Paris. E então, de repente, tinhamos duas conversas sobre vir para o Brasil. E, sabe, não é sempre que você vai a algum lugar que te deixa completamente impressionado e supera completamente as suas expectativas. E o Brasil é um deles para mim, com certeza. A natureza, o design e também as pessoas são incríveis.

    Adrian: Para mim, são as pessoas.

    James: É! Há tanta diversidade, coisas maravilhosas.

    Adrian: Me atraí pelas pessoas, pela simpatia e também pela criatividade.

    James: É, simplesmente demais.

    Augusto: Não é porque eu seja brasileiro, mas as pessoas aqui fazem toda a diferença. Morei em Paris por dois anos e meio. Amo Paris. Amo meus amigos de Paris. Mas sentia muita falta das pessoas do Brasil, de como somos acolhedores. Aqui é muito fácil começar uma conversa, as pessoas começam a contar suas histórias com muita facilidade. É algo realmente especial nosso.

    James: Com certeza.

    Adrian: E também a inclusão, não é só uma tendência agora, ser imersivo e inclusivo. É naturalmente assim. É como um verdadeiro caldeirão cultural. Não como Nova York. Nova York, dizem, é o maior caldeirão cultural com todas as pessoas do mundo inteiro, mas eles se mantêm reservados. No Brasil, parece que você vem de todos os lugares, mas vocês estão juntos. Vocês são um só povo. A coisa de se unir, realmente se fundir e ser brasileiro é o que é incrível. Eu acho que é único. E acho que combina bem com a gente.

    “Teremos coleções para homens e mulheres igualmente, e também para todas as idades. Sim, porque esse também é um pouco o nosso apelo. Sabe, estamos no mercado há 55 anos, e nós temos avós, mães, filhas, homens e mulheres. Então é um bom microcosmo de tudo o que eu acho que representamos.

    Augusto: E o que podemos esperar da Comme des Garçons no Brasil em termos de mix de produtos e experiência com a marca?

    James: Olha, é uma loja bem pequena mas muito bonita e acho que realmente captura a força e o DNA da Comme des Garçons. Ela vai vender produtos da Comme des Garçons, camisetas Comme Garçons Shirt, perfume e carteiras da Play, e tudo mais. Todas essas linhas são desenhadas pela Rei. Eu acho que vai ser uma ótima maneira de começar, e também vai ser uma ótima mistura de moda forte e comercial.

    Adrian: Teremos coleções para homens e mulheres igualmente, e também para todas as idades. Sim, porque esse também é um pouco o nosso apelo. Sabe, estamos no mercado há 55 anos, e nós temos avós, mães, filhas, homens e mulheres. Então é um bom microcosmo de tudo o que eu acho que representamos.

    James: Achamos muito importante vir ao Brasil e não diluir quem somos. Era importante que viéssemos com uma paixão forte.

    Adrian: E também comercial. Principalmente porque o senso da marca é moda. É forte. E espero que as peças fortes vendam logo na abertura, essa é a minha esperança.

    detalhes da nova loja no iguatemi: fotos: flavio teperman

    Augusto: Adrian como a CDG é percebida hoje em dia, comparado a como era vista nos anos 80 e 90?

    Adrian: É muito, muito diferente. Mudamos muito de lá pra cá. Era muito restrito. Talvez fosse algo cult e restrito. Todo mundo achava que era tipo, você tem que estar por dentro para saber. E, sabe, acho que nosso objetivo de crescer, era que isso pudesse ser para todos. Sabe, não é justo. Não era pra ser elitista. Não gostávamos de ser vistos como elitistas. E acho que a mudança foi feita lentamente, como um progresso natural, sabe, uma procissão. Abrimos mais e mais lojas, tínhamos mais e mais marcas. E acho que a Play teve muito a ver com isso naquela época. Acho que a Play já tem uns 20 anos. E, sabe, é assim que crescemos, tendo novidades. Não fazemos assim, fazemos assim. 

    James: Gosto dessa explicação de que você cresce horizontalmente.

    Adrian: Sim. Porque não gostamos de ser donos das fábricas. Quase não somos donos de nenhuma das nossas lojas. Não somos donos dos meios de produção como algumas marcas de luxo típicas, que são donas do zero até o fim, sabe, nós crescemos assim, com novos conceitos, novas marcas, coisas novas. E trabalhamos com fábricas que são donas de si mesmas, preferimos, porque assim elas ficam mais motivadas se for a sua própria fábrica. E as lojas também são as pessoas que fazem as franquias em toda a Ásia, é a sua própria loja. E então trabalhamos juntos. É a maneira como fazemos, que…

    James: É o que vamos fazer aqui.

    Augusto: E agora você acredita que a Comme des Garçon é menos elitista hoje?

    Adrian: Essa é a minha impressão. Acho que é verdade. Você diria que é muito menos elitista?

    James: Sim, eu diria que sim. É difícil ter essa percepção de dentro talvez. O que você acha?

    Augusto: Eu não sei se diria elitista porque elitista para a maioria das pessoas significa algo negativo e não via a CDG nessa posição. Mas eu acho, eu acho que agora está mais democrática por causa de todas as linhas e também por causa da internet.

    Adrian: E eu acho que é por causa da diversão. E também talvez do perfume, porque o perfume e as carteiras, agora tem algo para todos. O preço é bem razoável e eles conseguem vê-lo. E acho que eles têm que gostar do tipo de ideia por trás disso, sabe, o que é o CDG? É sobre algo novo, algo criativo. E muitas vezes é caro demais para a maioria das pessoas. Mas agora todo mundo pode comprar um perfume de 50 dólares, sabe, então acho que essa é a maior mudança nos 37 anos em que estou aqui.

    “Mudamos muito de lá pra cá. Talvez fosse algo cult e restrito. E, sabe, acho que nosso objetivo de crescer, era que isso pudesse ser para todos. Não era pra ser elitista. 

    Augusto: Adrian, você conquistou algo raro: Transformar uma marca essencialmente conceitual e até cerebral em um negócio de sucesso. Como isso aconteceu?

    Adrian: Foi natural e bem devagar. Não foi um plano de longo prazo, não foi uma estratégia. Não temos estratégias propriamente ditas, mas conforme você cresce, sabe, aí você… Isso também aconteceu com a Rei Kawakubo. Ela queria algo como um símbolo, um símbolo da CDG. E no começo não funcionou, mas logo percebemos que isso poderia realmente alcançar muitas pessoas diferentes. É meio orgânico, sabe, não foi planejado. Não temos planos de cinco anos. Se tivermos, é um plano de um ano, então estamos muito receptivos a mudanças de movimento, a mudanças nas coisas. E da forma como crescemos horizontal e organicamente, acho que simplesmente aconteceu. Acho que não posso levar crédito por nada. Simplesmente aconteceu. Eu não esperava.

    James: Também é estar aberto a oportunidades, certo?

    Adrian: E estar aberto é ser receptivo.

    James: Estar receptivo e disposto a correr riscos.

    Adrian: E acho que a Dover Street Market, 20 anos atrás, fez uma grande diferença também, talvez isso seja um grande fator. Mas não sabíamos que teríamos oito Dover Streets 20 anos depois. Não foi o plano, simplesmente aconteceu. Fizemos Londres e depois foi Rei que pensou: “Ah, eu tenho um velho amigo, ele tem uma loja de departamentos antiga. Que tal uma em Tóquio?” Eu disse: “Ah, é mesmo?” Acabamos de abrir em Londres. Mas aí abrimos. Tóquio foi a segunda.

    E então alguém passou pelo prédio em Nova York e disse: “Ah, essa poderia ser uma bela Dover Street”. E então dissemos: “Ah, vamos pensar nisso”. Foi, sabe, um por um, devagar, devagar. Acho que foi assim que aconteceu.

    James: Los Angeles aconteceu porque conhecemos a pessoa. Conhecemos o nosso locatário em Londres, no dia da inauguração da loja lá. Ele disse: “Tenho um prédio. Você deveria vir vê-lo”. Então, da próxima vez que estive em L.A., fui vê-lo.

    Adrian: Veja bem, é meio sem planejamento, o que é legal.

    Augusto: Que surpresa vindo de um empresário. Porque normalmente tudo em se tratando de marcas globais é tão planejado, especialmente no mercado de luxo. Há muito planejamento para tudo, tudo é um plano de cinco anos. E como a Rei reagiu quando você propôs criar uma camiseta com um coração como uma peça bem comercial?

    Adrian: Mas o conceito foi dela. Não fui eu. Ela fez a Play. Ela queria outra marca porque é uma boa maneira de crescer horizontalmente. Então ela queria uma coisa, um símbolo que representasse a empresa, mas que nunca mudasse. E que fosse muito, muito básico. E então a novidade, o aspecto criativo dessa nova marca era que ela não era projetada, e o design era a falta de um design. Era o conceito dela. Faz sentido? Queremos fazer tênis, eventualmente ela concordou com o tênis, mas ela só queria fazer uma camiseta. Isso é tudo o que ela sempre quis fazer: uma camiseta, um item. Porque se você misturar os itens, não fica bonito numa prateleira. “Olha essa bagunça”. Sabe, se fosse só o copo, ficaria muito mais bonito. Então ela fez. A ideia dela era fazer uma camiseta só com o coração. E então, queremos fazer bonés, queremos fazer bolsas. “Não, não, não! É basicamente uma camiseta que fazemos!” Então ela finalmente concordou em fazer um moletom com capuz. Foi ideia dela, e acabou se expandindo.

    Augusto: E é interessante porque a maioria das pessoas criativas não entende ou não se interessa pelo lado dos negócios. Elas estão sempre focadas em criar o design, a imagem. Então, a maioria delas acaba falhando porque não consegue crescer, evoluir como negócio porque não têm essa visão. E eu nunca imaginei que a Rei também tivesse essa visão de negócios.

    Adrian: Ela é. Ela sempre diz que é, antes de tudo, uma empresária. Ela criou sua própria empresa para poder ser livre e independente como mulher no Japão. Mas a base do seu negócio é a criação. Ela queria fazer da criação um negócio. Então, ela era uma designer com ideias, mas era um negócio. Ela costumava dizer que desenhava a empresa, não as roupas. Ela cuida da loja, ela cuida das roupas, ela cuida do design gráfico, tudo, papel timbrado, tudo de papelaria. Tudo o que você vê da CDG, ela desenhou, tem o olhar dela.

    Augusto: Não podia imaginar que ainda hoje ela se envolvia dessa forma.

    Adrian: Ela não está aqui para fazer a loja do Iguatemi. Mas ela está vendo tudo. Eu mando fotos de cada detalhe pra ela e ela diz “ah, isso deveria ter 1 milímetro a menos”.

    Augusto: Sério?

    Adrian: Sim!

    Augusto: E como vocês dividem o que cada um toca na Comme des Garçons? O que você faz e o que ela faz?

    Adrian: Ah, bem, ela é designer e criadora. Nós, eu e minha equipe, somos apenas empresários, e às vezes gostamos de ter ideias criativas de negócios, sabe, como as lojas Guerrilha, como a Dover Street Market. Mas basicamente nós fazemos o negócio e ela faz o design, mas ela também tem voz ativa. Você colocaria de outra forma, James?

    James: Ela está comandando a operação do Japão.

    Augusto: Adrian mora em Paris, ela mora no Japão, não é?

    James: Ela também comanda o dia a dia do Japão completamente. Ela é criativa e comanda essa parte. E eu diria que o Adrian está focado no mercado internacional, fora do Japão.

    Adrian: Tudo fora do Japão.

    James: Sim. Mas obviamente ela cuida da parte criativa fora do Japão e tem muita influência nos negócios. Mas você está cuidando disso.

    Adrian: Mas ela deixa tudo para mim, todo o lado comercial, todas as novas lojas, ela participa dos projetos, mas nós as administramos, nós gerenciamos.

    “Ela criou sua própria empresa para poder ser livre e independente como mulher no Japão. Mas a base do seu negócio é a criação. Ela queria fazer da criação um negócio.

    Augusto: Ela é uma pessoa muito discreta e fala muito pouco. É muito difícil encontrar entrevistas dela, por exemplo. A Comme des Garçons é quase uma marca silenciosa. Você acha que seria possível uma nova Comme des Garçons surgir hoje onde a exposição parece definir o sucesso?

    Adrian: Duvido. Acho que seria muito difícil. Talvez a última depois do Rei tenha sido a Margiela. Ele era ainda mais discreto que a Rei. Ele nunca tirou fotos. Ele nunca teve nenhuma entrevista. Mas acho que hoje em dia, com as mídias sociais e as celebridades, seria difícil, mas não acho impossível.

    James: Pode até ser o que é necessário agora, quem sabe?

    Adrian: Acho que precisamos mais de marcas assim hoje. As pessoas estão cansadas de celebridades. Cada vez mais. Mas acho que é porque não é algo real, celebridade é uma coisa vazia. Mas acho que cada vez mais os jovens designers que estamos vendo estão levando mais a sério a ideia de fazer moda de verdade, como antes.

    James: E parece haver muitos talentos novos e empolgantes na indústria.

    Adrian: Da minha perspectiva, achamos que é um ótimo momento.

    Augusto: Mas ao mesmo tempo vemos um designer e empresário como Jacquemus. Ganhando muita visibilidade e seus negócios estão crescendo muito rápido. Ele é o rosto da marca, se expõe…

    Adrian: Exatamente.

    Augusto: E ele é inspiração para muitos novos designers e marcas.

    James: Ele também está fazendo do jeito dele e é autêntico para ele.

    Augusto: Sim, é autêntico, com certeza.

    Adrian: Parece o oposto, mas não é exatamente o oposto. Porque ele é muito fiel a si mesmo. Ele é muito sincero sobre sua avó, sua família, suas origens no sul da França.

    Augusto: Eu sinto isso.

    Adrian: Você sabe onde foi o primeiro emprego dele, certo? Eu dei o primeiro emprego para ele.

    Augusto: Li numa entrevista antiga dele!

    Adrian: E ainda mantemos contato.

    Augusto: Mas é interessante porque eu também sinto que sim, a moda talvez precise disso. Novos designers sofrem a pressão para serem famosos ou expor sua vida pessoal como forma de ganhar visibilidade, vestir celebridades que estão em evidência e é muito difícil ver isso acontecendo.

    Adrian: É difícil. Ele é uma exceção, mas acho que o mais importante é ser fiel a si mesmo, ter uma visão forte e se manter fiel a ela. Tipo, Jacquemus é muito diferente de nós, ele era muito ambicioso e queria ter muito sucesso. Ele sabia para onde estava indo.

    James: Acho que é incrível ver o que ele fez.

    Augusto: Sim! E neste cenário atual dominado por grandes grupos de moda, eu achava que não havia espaço para um negócio independente se tornar tão grande como o dele…

    Adrian: Sim, ele é único.

    Augusto: Sim! Por que existem muitos novos designers muito talentosos que estão lutando para sobreviver com suas marcas.

    Adrian: Sim. Mas acho que isso se deve ao jeito dele. Não existe uma fórmula. Ninguém mais consegue ser como o Jacquemus. Tipo, ninguém mais consegue ser como ele.

    Augusto: Muitas pessoas estão imitando a Comme des Garçons ou o Jacquemus, mas não é exatamente por aí.

    Adrian: Sim, exatamente.

    Augusto: A Comme des Garçons parece existir e operar em um tempo muito particular, vocês tem seu próprio tempo. Claro, vocês lançam coleções durante as semanas de moda, mas no todo do negócio é diferente das outras marcas, vocês não seguem tendências, não seguem o zeitgeist.

    Adrian: Nós não seguimos tendências, com certeza, mas gostamos de fazer isso em momentos convenientes para as pessoas. Ela não gostaria. Não queremos desfilar fora do calendário, fazer dentro do nosso próprio tempo. Nós seguimos, gostamos das regras, sabe, gostamos da tradição e das regras da Semana de Moda porque não queremos incomodar as pessoas dizendo: “Ah, não vamos fazer isso na Semana de Moda, ou queremos fazer algo especial, fora do horário”. Gostamos de estar no sistema. Mesmo que não façamos coisas como outras pessoas fazem no sistema. Ela sempre quis um desfile em Paris, na Semana de Moda “Todo mundo está em Paris. Vamos fazer isso”. Ela nunca quis se atrasar, sabe, tipo, algumas pessoas simplesmente fazem isso quando podem ou quando estão prontas. Como o Azzedine [Alaïa]. Ele saiu do calendário e ela disse, não, “eu não quer fazer isso”. Ela quer ser conveniente para todos, o que é incomum de se saber, eu acho. Porque todo mundo está lá. Ela não quer incomodar, vamos fazer o desfile quando todos estão reunidos, e eu só tenho que estar pronta. Então, de certa forma, é meio tradicional, sabe, ela não faz o que gosta. Ela faz de acordo com a maioria das regras, mas não todas elas. Como criar uma novas estratégias de varejo, fazer um perfume que não segue as regras da indústria de perfumes. É meio que, pensando bem, é como seguir as regras onde lhe convém, e então não invocar as regras quando não as segue torna tudo mais criativo. Ela odeia coisas no fundo da parede. E nenhuma das nossas perfumarias tem prateleiras no fundo da parede. A perfumaria fica no meio. Não há nada ao redor, nada no chão que esteja quebrando as regras de alguma forma. Mas quando ela mostra a coleção, tem que ser conveniente para todos. Nossas lojas não tem vitrines, ela não quer que você veja a loja da rua.

    Augusto: Você precisa entrar para descobrir a loja.

    Adrian: Exato! Você fez sua lição de casa.

    Augusto: Vocês também dão suporte para várias novas marcas, seja através da Dover Street Market ou até mesmo como sócio investidores. O que um novo designer deve ter para chamar sua atenção?

    Adrian: Nossa. Todo mundo pede a fórmula, mas não existe fórmula. É muito instintivo. E sempre dissemos que eles precisam trabalhar duro. Eles precisam não ter pressa. Eles precisam ter uma visão, precisam ter algo, uma história para contar. É isso que dizemos. eles precisam, saber, ser verdadeiros consigo mesmos e estar dispostos a correr riscos e serem curiosos sobre as coisas. Não é apenas uma coisa, sabe, é uma mistura. E eles podem ser elementos diferentes. Algumas pessoas com quem trabalhamos são mais de uma coisa do que de outra. Outras são menos. Sabe, as pessoas com quem trabalhamos são todas únicas. São todos diferentes. Não existe uma fórmula única, eu acho. Eu queria que houvesse uma resposta que eu pudesse dar às pessoas e elas a aplicassem.

    James: Não é uma fórmula.

    Adrian: Eu queria que não existisse uma. Mas o mais importante é trabalhar duro com todo o coração e alma. É o que dizemos e temos. E ter e saber o que você quer dizer. Sabe, ter uma história legal.

    fachada da dover street market em londres
    fachada da dover street market em londres

    Augusto: Você já pensou em apresentar marcas brasileiras na Dover Street Market?

    Adrian: Estamos procurando. Não sei onde encontrá-las. Não há muitas na Semana de Moda de Paris, não é?

    Augusto: Não.

    James: Eu já trabalhei com a Ana Khouri antes.

    Augusto: Ah sim, ela é baseada em Nova York.

    James: Já trabalhei com ela. Mas é verdade. Não são muitas.

    Adrian: O Samuel de Saboia está fazendo uma coleção com um amigo, o Pedro.

    Augusto: O Pedro Andrade, da Piet? Ele vai apresentar a nova marca P. Andrade em Paris durante a Fashion Week masculina.

    Adrian: Sim, ele mesmo.

    Augusto: É interessante porque o mercado de consumo brasileiro é enorme e muitos não se interessam pela exportação. E às vezes nosso preço não é competitivo por causa da moeda e os impostos são muito altos para exportar. Então, sobrevivemos do nosso próprio mercado. Já o mercado para a moda mais conceitual, mais focado no design tem é muito menor aqui, então eles precisam desse tipo de conexão internacional porque precisam alcançar mais pessoas abertas a consumir ideias inovadoras, sabe?

    Adrian: Você tem recomendações?

    Augusto: Temos designers muito, muito bons. Mas não temos esse apoio. Por exemplo, não temos uma federação francesa que promove a moda dando suporte.

    Adrian: Então a SPFW é tipo a IMG?

    Augusto: Sim, a semana de moda aqui é um negócio, assim como a IMG em Nova York, não está ligado a uma federação com apoio governamental.

    Adrian: Mas com certeza vai acontecer, sabe, porque acho que o hemisfério sul será mais e mais importante.

    Augusto: Vamos falar um pouco sobre isso. Eu costumava ir para a Europa, pros Estados Unidos, todo ano para ver desfiles de moda e pesquisar sobre novidades. Mas nos últimos 10 anos, percebi que não há muita coisa realmente nova vindo desses lugares. As coisas novas realmente empolgantes estão vindo do hemisfério sul. Você também tem essa sensação, seja na moda, na música ou nas artes?

    Adrian: Fotografia, tudo relacionado a fotografia, África, América do Sul.

    James: Tem a Torishéju, que é também brasileira.

    Adrian: É, a Torishéju, é a nova designer que temos na DSM. Ela é meio africana, meio brasileira, meio nigeriana.

    Augusto: Conheci o trabalho dela recentemente e é realmente muito interessante.

    James: Ela é uma das minhas novas designers favoritas e mais promissoras.

    Adrian: Ela também é bem inglesa, ela nasceu na Inglaterra, estudou na St. Martin ‘s, mas a origem é importante e eu acho que… O futuro é o sul, o que é ótimo.

    Augusto: Para descobrir as marcas nacionais, você tem que vir ao Brasil porque não estamos exportando, não estamos desfilando fora. Então, os designers estão tentando, mas não é muito fácil por causa principalmente do alto investimento e falta de suporte para ir a Paris para fazer um desfile de moda. É muito caro. Mas é interessante ver a São Paulo Fashion Week agora, com muitas marcas pequenas, mas com uma identidade brasileira muito forte, com o artesanal que é incrível aqui no Brasil.

    Adrian: Vocês têm boas escolas de moda? Elas ensinam modelagem e outras coisas? Ou é só focada em biquínis?

    Augusto: Temos muitas faculdades e que ensinam tudo. 

    Adrian: Todas em São Paulo?

    Augusto: A maioria em São Paulo mas não só, a maioria das capitais do Brasil hoje tem faculdades de moda.

    Adrian: Vamos ficar de olho, não é?

    Augusto: Vamos falar do futuro então. Qual é a sua visão de futuro pra moda? Eu sei que é uma pergunta muito difícil, é muito difícil enxergar um futuro, o mundo está tão louco. Mas nós da FFW estamos sempre pensando no futuro. Estamos sempre tentando ver o que está por vir, para onde estamos indo, sabe?

    Adrian: Por que você quer fazer isso?

    Augusto: Porque é a nossa essência, temos curiosidade e apreço pelo novo, pela vanguarda. É a minha natureza pensar no futuro, pensar no que está por vir.

    Adrian: Não é previsão de tendências, é?

    Augusto: Sim, mas não somente. Estamos de olho no surgimento e fomento de novos talentos e criativos que podem renovar o cenário de moda e cultural.

    Adrian: Gosto disso! Olha, eu acho que os jovens designers vão se fortalecer, talvez a moda de luxo mude um pouco e, sabe, os valores vão mudar. Não é apenas uma coisa se tornando outra. Porque a moda sempre foi tudo, pessoas fazendo peças únicas para alta-costura, pessoas fazendo uma produção em massa terrível, de forma exploradora. Sabe, as coisas, tudo, toda uma complexidade. A moda global está mudando, de maneiras diferentes. Algumas mais devagar, outras mais rápido, algumas vão desaparecer, surgirão novas. É difícil prever exatamente, mas está sempre mudando, pois a moda é cíclica, certo?

    Augusto: Mas acho muito importante tentar imaginar o futuro.

    Adrian: É bom imaginar.

    Augusto: Ou sonhar com o futuro.

    Adrian: Sim, sonhar com o futuro!

    Adrian: E eu acho que seria bom. Um mundo mais justo, menos fast fashion, menos desperdício. Mais pessoas independentes e fortes. Não é isso que queremos? Eu acho, e acho que pode ser.

    James: Ser bom, mais independente, mais criativo. Da nossa parte da indústria, sim, eu gostaria de ver isso.

    Adrian: Mas se você olhar os desfiles recentes de formandos da St. Martins e da Antuérpia, incrivelmente criativos e bons.

    Augusto: Eu vi esta semana e também fiquei impressionado.

    Adrian: Não é incrível?

    Augusto: Sim.

    Adrian: Não são como criações estudantis! Você notou?

    Augusto: Eu vi alguns vídeos da Antuérpia ontem, muito bons. Muito maduros para um estudante em final de curso que ainda nem tem experiência de mercado.

    Adrian: Tão maduro. Acho que há boas esperanças para o futuro mas não será a maioria.

    Augusto: E o que você diria a um jovem estilista brasileiro que quer exportar suas criações e ganhar reconhecimento internacional?

    Adrian: Tão difícil. É mais ou menos o que dissemos, sabe, trabalhar duro e não ser tão impaciente, você não precisa dominar o mundo amanhã. Muitos dos jovens estudantes que estão se formando agora só querem tapetes vermelhos imediatamente. Eles querem um grande emprego em uma grande empresa de luxo, o que nem sempre é a melhor ideia hoje em dia. Então, trabalhe duro, vá com calma, faça uma coleção pequena e seja paciente.

    Augusto: Ir com calma é algo muito difícil para a nova geração, porque eles estão muito ansiosos com o futuro, muito ansiosos para chegar a um ponto na carreira muito rápido.

    Adrian: Eu acho importante ser paciente mas é difícil. Não seja tão ganancioso. Vá devagar, devagar. E seja fiel a si mesmo. É o que acho. O que você acha James? 

    James: Seja fiel a si mesmo com certeza. Mas eles também, eles precisam ser ousados ​​e destemidos, se exponham e façam o que quiserem. Se quiserem ir e se apresentar em Paris, tentem encontrar um meio de fazer isso.

    Adrian: Sim, embora seja mais fácil falar do que fazer mas você tem que mirar nas estrelas.

    Augusto: Ao mesmo tempo, é o momento mais fácil para conhecer e se conectar com pessoas como você. Porque antes da internet era quase impossível a gente ter essa conversa, sabe?

    Adrian: Exatamente.

    Augusto: Eu fui a Paris muitas vezes. Nunca tive a oportunidade de me aproximar e chegar em você, por exemplo. Mas agora, com a possibilidade de troca pela internet, pelo Instagram, você pode conseguir chamar atenção e se conectar com diversas pessoas importantes e chaves. Mas ao mesmo tempo é muito mais desafiador porque há tantos designers, tantas marcas, o mercado é muito competitivo.

    Adrian: Eu vi que em Londres tem uns 1.500 estudantes formados. É muito…

    Augusto: Não tem espaço para todos criarem uma marca nova.

    Adrian: Nós também não gostaríamos disso. Certo, mas como você diz isso para alguém?

    Augusto: Pois é…

    Adrian: E quem é o juiz que pode dizer se você tem que ser um designer ou se você vai trabalhar no campo ou na fábrica. É difícil.

    Augusto: Qual foi o melhor conselho que você já recebeu, Adrian?

    Adrian: Não me lembro. Não, eu não recebi muitos conselhos.

    Augusto: Mas o pior você lembra?

    Adrian: Ah, eu preciso pensar…Não consigo lembrar.

    Augusto: Não tem problema, era só pra gente terminar essa conversa de forma leve. 

    James: Muito obrigado pelo seu tempo de vir nos encontrar.

    A loja da Comme des Garçons abre nessa sexta-feira (13.06) no segundo andar do Shopping Iguatemi São Paulo.

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