A cultura da performance
Quando realidades impossíveis são transformadas em critério base, o excesso se torna parte de práticas cotidianas, construindo um dia a dia performático. Quem aguenta?
A cultura da performance
Quando realidades impossíveis são transformadas em critério base, o excesso se torna parte de práticas cotidianas, construindo um dia a dia performático. Quem aguenta?
Por Bia Nardini
Quando Zendaya chegou ao Met Gala 2019 vestida de Cinderela, acompanhada de sua fada madrinha, interpretada por Law Roach, seu stylist, não imaginava o peso que isso se tornaria a longo prazo. Apesar de já ter entregado diversos looks marcantes, foi a partir desse momento que essa prática deixou de ser um capricho e virou uma obrigação. Uma obrigação que, quando não cumprida, entrega a atriz aos leões da crítica: os mesmos que a colocaram no pedestal, como aconteceu no Met Gala deste ano. Assim se escancara a régua das novas gerações, que não conseguem reconhecer momentos de destaque e buscam sempre transformá-los no mínimo a ser exigido no futuro.
Não é diferente no meio da influência. Quando blogueiras começaram a aparecer, eram fonte de inspiração e entretenimento, independente de apresentarem um certo distanciamento do espectador. Hoje, o sistema mudou e a superexposição se tornou comum, transformando esse estilo de vida acessível a poucos. Nesse contexto de realidades irreais transformadas em critério base, o excesso se torna parte de práticas cotidianas, construindo um dia a dia performático.
No quesito moda, muitos começam a buscar roupas exageradas iguais às vestidas por influenciadoras que vivem da venda de uma imagem teatral, e não precisam se preocupar com funcionalidade nessa escolha diária.No território da beleza, a penteadeira recheada de maquiagens se torna normal, ainda que ter cinco blushes seja totalmente dispensável para quem não trabalha com isso. Adentrando mais os costumes, podemos falar da religião que já não basta mais ser praticada para si, precisa atingir o coletivo, divulgar, converter e, claro, ler “Café com Deus Pai” todas as manhãs para se tornar digno da sua fé. Nem o esporte ficou de fora. Exercitar-se por saúde se tornou lenda urbana em uma competição pelo melhor pace e o menor percentual de gordura.
Na última década, vivemos tempos de tendências facilmente consumíveis, criando terreno para que, nesse momento, a moda volte à etimologia da palavra: modus, de modo, maneira, forma de fazer algo. Mais do que nunca a moda é o modo, é como vivemos, é nosso estilo de vida.
Quando a moda ganha vida no século 19, as classes de menos abastadas copiavam o vestuário daquelas de maior poder aquisitivo, em busca de relevância social. Agora, a ideia de superioridade é transmitida por meio de um bem ainda mais precioso que o dinheiro: o tempo. É fato que performar exige dinheiro – treinar três horas por dia, pagar profissionais da saúde, suplementar diariamente – mas, acima de tudo, é preciso transbordar tempo.
Com dinheiro ou não, nos distanciamos de nós mesmos em busca de refúgio perante às crises coexistentes no mundo. A longo prazo, buscaremos abrigo e conforto emocional, uma compensação por tudo aquilo que deixamos de viver e nos arrependemos. Mas como vamos encontrar aconchego se não somos capazes de reconhecer o que nos acalma, uma vez que passamos anos nos escondendo atrás de uma ilusão de superioridade.
No decorrer da história, a moda foi colocada como vilã. Quando usada a serviço de seus líderes financeiros, ela pode nos incentivar a sermos quem não somos, gastar um dinheiro que não temos. Mas quando a sociedade clama por pertencimento em um momento de insegurança generalizada, outros mercados começam a escancarar que o problema real nunca foi a moda, ou pelo menos, não apenas ela.