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    Entrevista — Gilda Midani sobre sua parceria com Maria Bethânia

    Entrevista — Gilda Midani sobre sua parceria com Maria Bethânia

    POR Vinicius Alencar

    “Não quero mais aporrinhação. Quero autoridade sobre o tempo. Tudo vem do mesmo lugar: eu vivo do olho. E é isso que me dá mais prazer.” Foi assim que Gilda Midani encerrou nosso papo por telefone. A estilista, que fotografa, dirige, cria e costura universos inteiros, entende a roupa como protagonista, mas também como parte de um balé que ultrapassa o simples ato de vestir.

    Gilda assina a direção criativa da nova turnê que celebra os 60 anos de carreira de Maria Bethânia, numa parceria que já dura mais de uma década. Na conversa, comentou sobre a relação da grande dama da música brasileira com cores (especialmente a recusa ao preto), e revelou os estilistas favoritos da artista – do belga Dries Van Noten ao indiano Rajesh Pratap Singh. Confira:

    Gilda, há quantos anos você e Maria Bethânia trabalham juntas?
    O primeiríssimo trabalho que fiz para ela foi em 2013, ainda antes de nos conhecermos pessoalmente: uma camiseta muito especial para Carta de Amor. Bethânia sempre traz os desejos, os caminhos. Ela visualiza muito o que quer, tem uma intuição visual fortíssima. Na época, queria uma camiseta que parecesse com o céu.“Você leu minha alma”, me disse após a estreia. Foi mágico, mesmo à distância. Depois me chamou para os 50 anos de carreira. Já são mais de dez anos juntas, intensamente.

    Como funciona a troca entre vocês? Como começa o processo para um show ou turnê?
    No show dos 50 anos, ela tinha desejos muito específicos. Queria homenagear seus orixás, então as cores já estavam definidas: Iansã e Oxum. Estudei muito as silhuetas, a identidade do meu trabalho, a forma como ela se move no palco. Fiz uma saia imensa de malha dourada.
    Tudo com ela, e sem ela, vem de um lugar muito intuitivo, misterioso. São processos com muita subjetividade. Nossa união criativa aguça isso. Acontecem sincronicidades.

    Lembro que, em dezembro, ela me avisou que o figurino de Oxum não tinha dado certo e pediu para eu fazer também. Eu estava em Paris, já era fim de ano, peguei uma gripe… Tive o dia 27 para comprar tudo. Cheguei no Rio no dia 4 de janeiro. A estreia era dia 10. Ao mesmo tempo eu estava abrindo meu novo ateliê, estava fazendo o figurino, então ele estava todo dourado. Foi lindo. O processo não poderia ter sido melhor.

    Os figurinos da Bethânia têm dramaturgia. Como você pensa a construção dessa figura em cena?
    A natureza dela, a persona no palco, o repertório e a construção dos espetáculos são pura dramaturgia. A figura dela é minha maior inspiração. Humildemente, tento vesti-la dela mesma – o que já é ambicioso. Uma vez brinquei: “Vou te fazer um globo de boate”. Trabalho com materiais que amo, construo uma silhueta. Não sou mirabolante na construção. No primeiro figurino, inteiro dourado, fui ver o ensaio geral. Ela estava de regata e eu via o diafragma: uma topografia da majestade. Não dava para esconder isso – precisava exaltar. Os rodados ampliam o movimento e deixam a presença do corpo ainda mais forte. O corpo, o movimentar me ajudam a construir tudo. 

    Quanto tempo vocês levam, em média, para chegar ao figurino final?
    Varia muito. Na turnê com Caetano, por exemplo, começamos em fevereiro para estrear em agosto. Era uma produção enorme e tudo seria definido em cima da hora. Como vestir alguém para um estádio? Um look icônico. Bethânia dizia: “Mas não se esqueçam que sou uma cantora popular.” Ela nunca se afasta do público, ela o leva com ela. Minhas referências ali foram as procissões das Nossas Senhoras da Espanha. Busquei brocados, recorri a tecelagens incríveis, encontrei uma renda de metal dos anos 1920 em um mercado de pulgas. Foram dois meses de produção.

    Já no show atual, ela fez tudo heroicamente. Depois dos orixás e do luxo extraordinário, queríamos transcender o sagrado — falar de anjos e céu. Para as fotos de divulgação, eu já precisava produzir o figurino. Fomos para tecidos feitos em tear, algo solene, reverente ao teatro. Ela se encantou e disse que não queria trocar de roupa. Coloquei mais gomos. Queria algo dourado para reverenciar Oxum mesmo nesse look branco. Tive a ideia de uma teia, algo de rainha, e fiz o colete do segundo ato com o Henrique Filho, rei das alegorias. Eles se amam.

    Recentemente, Bethânia brincou sobre sua relação com a moda, dizendo que adorava “forros de caixão”. Fora dos palcos, vocês também trocam ideias sobre moda?
    Visto ela o tempo todo, muita coisa da minha marca. Ela viveu muita moda, conhece Etro, tem um estilo pessoal clássico elegante e também um lado étnico muito forte. Os favoritos dela hoje são Dries Van Noten, Armani. Também gosta de Rajesh Pratap Singh.

    Ela se interessa, é vaidosa. Uma subversão de jovem que cresceu com a roupa engomada. Contava que fazia sapatos com tiras de pano e papelão, roxo e preto. Mãe Menininha disse que ela não devia usar preto. Desde então ela não usa. 

    As imagens de divulgação da turnê têm um time mais ligado à moda do que à música. Isso tem seu dedo?
    Assino toda a direção criativa. Antigamente, não havia redes sociais, nem sessões de fotos – era tudo muito informal. Sou fotógrafa também, nunca abandonei isso. Mas migrei para criação e sempre quis que ela tivesse material visual à altura. Agora, cuido de tudo: estética, cenografia, o que rege a imagem do espetáculo. Parte da equipe migrou da turnê com Caetano.

    Mostrei muitos profissionais. O primeiro que ela amou foi Henrique Martins [maquiador]. A [cenógrafa e artista visual] Ana Arietti faz tudo comigo. Buscamos fotógrafos mais jovens, que tivessem a ver com o nosso desejo – e ela escolheu o Gui [Guilherme Nabhan]. A Ana me apresentou e deu muita força para trabalharmos com ele.

    Entre estilista, figurinista e diretora criativa existe distância? Ou você sente que tudo dialoga?
    Para mim, tudo dialoga. Minha maneira de pensar é ampla: penso onde a roupa vai estar, no conjunto imagético formado por 65 anos de referências. Não tenho formação acadêmica, mas tenho uma formação visual gigante.

    Estou voltando para a fotografia. A lógica industrial da moda não me interessa mais – a decadência da cadeia produtiva, os problemas com mão de obra, com material, com produção externa, a parte comercial. Talvez essa coleção de verão seja minha última. Quero ser mais livre. Quero controle do começo ao fim, como num ateliê. Criar imagens e produtos visuais, que podem incluir roupas,  mas que sejam sensoriais, que tragam conforto.
    Agora estou fazendo um collab com Marcelo Sommer. Quero prazer do começo ao fim.
     

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