Não sei se todos sabem, mas quando Nadège Vanhee recebeu a ligação para assumir o feminino da Hermès, ela estava na The Row. Na maison francesa, já há mais de uma década, ela conseguiu algo raro: manter viva a aura de uma marca que já não depende de esforço para sustentar seu fascínio. De clientes bilionárias a influenciadoras com dez milhões de seguidores, a Hermès segue quase imaculada diante de crises que corroem tantas outras.
Mas é justamente nesse terreno estável que o trabalho de Nadège se torna ainda mais delicado. Porque para além das bolsas (as famigeradas Birkin e Kelly, elevadas a símbolos de desejo global) existe um universo que precisa ser constantemente reconstruído, reencenado, atualizado. E é essa narrativa que Nadège vem orquestrando.
Sua última coleção começou com uma sela encontrada no conservatoire da Hermès. A partir dela, Nadège chegou aos espartilhos – não os de cetim e amarrações do século XIX, mas harness de couro reinterpretados com sobriedade e precisão.
As camadas são outro ponto interessante: sobreposições tops bandeau, camisas de botão e jaquetas acolchoadas em seda-twill, em uma paleta de marrom, oliva, areia, vermelho e preto, os looks apontavam para uma Hermès que se ancora no savoir-faire, mas não se deixa aprisionar por ele.
Em outro momento, um harness segurava as pontas de um lenço estampado sobre o peito, numa síntese entre utilitário e sensual.
O mérito de Nadège é transformar códigos distantes da Hermès em gestos contemporâneos sem espetáculo, sem slogans fáceis, mas com a confiança discreta e meticulosa, que não precisa ser datada ou conservadora.