A noiva que encerrou o desfile de alta-costura da Balenciaga não poderia ser outra se não sua musa-mor: Eliza Douglas, artista plástica cuja estranheza e peculiaridade a fazem ser um rosto comum, mas talvez venha daí a obsessão de Demna por ela. Começo esse texto assim pois para entender Demna é preciso compreender que o seu olhar faz do ordinário algo espetacular.
A sua origem georgiana em que a pobreza soviética colide com o glamour provinciano francês fez da Balenciaga uma explosão – todos fomos impactados. O maior legado que ele deixa é: o luxo desde então nunca mais será o mesmo. A ironia, o deboche e a contravenção de algo que parecia até então ter sido definido e acabado. Ele nos mostrou que não.
Tamanha provocação o levou para lugares sombrios, tortuosos e fez ele lembrar que: quem ri por último ri melhor – ainda mais quando o motivo não é para rir. As rédeas foram tomadas, a Kering fez um delicado e profundo trabalho de crise na imagem da Balenciaga e, consequentemente, da sua. Mas ele permaneceu e o foco voltou a ser a roupa (a roupa que ele acredita, mas isso é outro tópico).
Os doudounes e casacos esportivos sem nenhum glamour ganham o mesmo peso que longos acetinados e drapeados que deslizam pelo corpo e remetem automaticamente ao que entendemos como sofisticado. Num mundo em que todos gritam e o Instagram é uma vitrine midiática, Kim Kardashian é reflexo maior do que entendemos como fama, uma Elizabeth Taylor do feed que se retroalimenta em fração de segundos.
Tudo o que entendemos como anti alta-costura ele nos empurra goela abaixo: os punhos alongados em alturas propositalmente maiores, as barras semi feitas, os ombros deslocados como o de um blazer emprestado do avô. Afinal ele sempre quis nos mostrar que: do CEO ao vallet, todos vestem esse uniforme social independente da realidade. A base está ali e o resto foi construído a partir de códigos que são majoritariamente sociais e não se limitam à roupa.
Isabelle Huppet, uma cover de Dolly Parton, Naomi, Eva Herzigova… ele não tem medo de parecer menos inteligente, profundo ou questionador. Gostemos ou não, Demna é reflexo do nosso tempo – e não seria exatamente esse um dos papéis fundamentais de um criador na atualidade? Milão que o aguarde, pois Paris vai ainda ficar um bom tempo se recuperando desse terremoto que ele representou – no melhor dos sentidos.