Anna Wintour: como ela se tornou uma lenda
O editor de moda Vinícius Alencar relembra como a toda-poderosa da Vogue se tornou uma das figuras mais importantes da moda e da cultura pop além de refletir sobre sua saída da editoria da revista.
Anna Wintour: como ela se tornou uma lenda
O editor de moda Vinícius Alencar relembra como a toda-poderosa da Vogue se tornou uma das figuras mais importantes da moda e da cultura pop além de refletir sobre sua saída da editoria da revista.
Por mais que o boato ocorra há anos nos bastidores, agora é oficial: depois de 37 anos na direção da maior revista de moda do mundo – a Vogue América – Anna Wintour deixa o cargo que ajudou a transformar num verdadeiro olimpo da moda mundial. O anúncio foi feito para a sua equipe ontem, dizem que a portas fechadas, causando uma surpresa geral.
Na virada dos anos 1960 e 1970, Anna já tinha o mesmo corte de cabelo, por mais que a atitude fosse, obviamente, a de uma garota curiosa, que tinha passado algumas poucas semanas no time de vendas da Bibas – que era, mais do que uma loja, um templo transformador da imagem daquela década.
Seu primeiro emprego oficial, na extinta revista Harpers & Queen, foi sua entrada oficial no mundo editorial. Vale lembrar que Londres carregava toda a efervescência da mudança, ares novos e muito, muito jovens. Em pouco tempo, a figura frágil logo se tornou onipresente, forte e com uma personalidade marcante.
Cansada de viver à sombra da figura do pai (Charles Wintour, então editor-chefe do respeitado jornal The Standard) – sim, Anna é nepo baby –, a editora trocou Londres por Nova York e foi quando tudo ficou mais interessante. Na cidade, fez parte da redação da Harper’s Bazaar, mas foi na revista Viva que a sua fama começou a ser de implacável, afinal, foi ali que Anna ganhou seus primeiros assistentes pessoais.
Mesmo tendo ficado dois anos e ter sido elogiada por boas narrativas visuais, o tópico Viva foi durante um bom tempo um assunto pouco falado, por ser um título irmão da revista pornô Penthouse, tida como “muito mais provocante que a Playboy”. O turning point veio mesmo na sua entrada na New York – foi ali que Anna começou a chamar não modelos, como popstars e atrizes para estrelar editoriais, fórmula que iria aplicar depois, no seu emprego dos sonhos, na Vogue América.
Em 1983, super elogiada pela marca que havia deixado na revista New York, foi convidada pela Condé Nast para um cargo nunca antes visto: editora criativa. A posição foi instituída para conciliar a ambição de Anna, que deixava claro o desejo de ocupar o lugar da então editora-chefe, Grace Mirabella. Para acalmar os ânimos, logo foi transferida para a sua terra natal, onde chegou ao maior posto da Vogue Britânica.
Em meio à Guerra Fria, a expressão “Nuclear Winter” (Inverno Nuclear) logo se tornou seu apelido: não demorou para que a “Nuclear Wintour” trocasse toda a equipe, comandasse demissões em massa e mudasse drasticamente o estilo da revista, a tornando menos engessada e convencional.
Com a popularidade da Elle na América, Anna foi convidada para o posto que sempre quis: editora-chefe da Vogue América. Na sua primeira capa, em novembro de 1988, uma imagem bem clara: uma modelo usando jeans e jaqueta de alta-costura Christian Lacroix. Foi definido ali, naquela imagem, que a moda acabava de entrar em uma nova fase.
E a Wintour dos anos 1990 era outra: de manhã tailleur Chanel e à noite longos sensuais da Versace – suas marcas preferidas e que se tornaram verdadeiros uniformes. Mais do que cuidar apenas da Vogue, Anna passou a ser uma figura definitiva nos bastidores da moda.
John Galliano, Alexander McQueen, Marc Jacobs, Tom Ford: há quem diga que foi ela, mexendo os pauzinhos, que colocou os então jovens talentos na direção da Dior, Givenchy, Louis Vuitton e Gucci/Saint Laurent, respectivamente.
Quando Bill Clinton, então presidente, se preocupou com a imagem anoréxica das modelos influenciando a juventude norte-americana, foi para ela que ele pediu ajuda. O resultado? Apostar em uma modelo sexy, bronzeada e sorridente. Em julho de 1999, Gisele Bündchen estampava a capa com a chamada “O Retorno das modelos sexy”.
Tendo ao seu lado Grace Coddington, André Leon Talley, Hamish Bowles, Tonne Goodman, Anna transformou a Vogue não em uma revista, mas na “Bíblia”, fazendo com que as edições de setembro se tornassem históricas, gigantes e super lucrativas com centenas de páginas de publicidade. Das mudanças de direção criativa às modelos que teriam sucesso, tudo passava por ela.
Fez do baile anual do MET, não um mero evento ou abertura de exposição, mas o evento que gera mais buzz de toda a moda. E quando ninguém esperava, foi tornando as atrizes os ícones de estilo da vez. Se até então era visto como algo fútil estar atrelada à moda, logo estar na capa de uma revista como a Vogue era o aval de uma carreira de sucesso.
Em 2006, com o lançamento do blockbuster “O Diabo Veste Prada”, ela já não era apenas uma editora-chefe, mas um personagem onipresente na cultura pop, conhecida até entre aqueles que nem sabiam tanto de moda. Não à toa, três anos depois, em 2009, foi lançado o documentário “The September Issue”, que revelava sua personalidade e, claro, como a edição mais esperada do ano tomava forma.
Na primeira metade de 2010, Anna ainda comandava e pautava os assuntos: foi ela quem fez a carreira de Alexander Wang, Joseph Altuzarra, Phillip Lim, Zac Posen decolar. Porém, com o avanço das redes sociais, o declínio do poder do impresso e a disseminação da notícia, as coisas tiveram que se adaptar, entre elas Anna. Em 2020, acumulou a função de diretora de conteúdo global da Condé Nast.
Aos 75 anos, sendo 37 deles na Vogue, a sua saída – mesmo que parcial – é reflexo dos nossos tempos. Uma mudança, mesmo que simbólica, mas que coloca a moda realmente em uma nova era, por mais exagerado que isso possa soar. O que não devemos esquecer é que mesmo em meio a um cenário político controverso, Anna teve a postura de apoiar publicamente a campanha dos democratas Barack Obama e Joe Biden e fazer campanhas para que os americanos fossem votar.
Em 2012, na edição de fevereiro, uma extensa matéria intitulada “Uma Rosa no Deserto” elogiava a elegância e o estilo “despretensiosamente chique” da ex-primeira dama da Síria, Asma al-Assad, o que manchou parte da sua fama progressista já que o então presidente do país era visto como um ditador. Mas erros de percurso acontecem e, apesar do episódio – depois do qual, muitos juravam, Wintour nunca mais voltaria a falar de política na Vogue –, ela continuou.
Em tempos fragmentados e em estado de colapso (e não estou me limitando à moda), sua saída é significativa, marcando o fim oficial de vozes uníssonas. Muitos vão lamentar com comentários nostálgicos, outros vão celebrar sua despedida. Fato é que uma era se encerra e a moda e a mídia nunca mais serão as mesmas depois de Anna Wintour.
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