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    O retorno do grave: a nova geração redescobre o reggae e o dancehall

    Das radiolas do Maranhão às pistas de São Paulo, o reggae e o dancehall ganham novo fôlego com a geração do funkhall, dos virais e dos coletivos independentes.

    O retorno do grave: a nova geração redescobre o reggae e o dancehall

    Das radiolas do Maranhão às pistas de São Paulo, o reggae e o dancehall ganham novo fôlego com a geração do funkhall, dos virais e dos coletivos independentes.

    POR Laura Budin

    Todo ano, um som do passado reaparece com nova roupagem, viraliza no TikTok, ganha um EP repaginado ou estoura numa festa underground. Em 2025, esse papel está sendo ocupado com firmeza pelo dancehall e o reggae — ritmos que, apesar de nunca terem desaparecido das bordas do Brasil, voltam agora a ocupar espaços centrais de consumo, criação e escuta. Mas, para entender esse novo momento, é preciso voltar lá atrás, na Jamaica dos anos 1960, onde o reggae nasce como trilha de resistência espiritual, e o dancehall emerge logo depois, mais cru, mais direto, mais pista.

    Panorama histórico

    No Brasil, esses sons chegam em ondas — algumas silenciosas, outras avassaladoras. Nos anos 1980, o reggae se enraíza em São Luís do Maranhão com as radiolas e a cultura dos bailes de aparelhagem. Em Salvador, se mistura ao movimento negro, influenciando a criação do samba-reggae e o imaginário afro-brasileiro. Já em São Paulo e Rio de Janeiro, a influência vem das bandas e coletivos dos anos 1990 e 2000, até o surgimento dos sound systems como linguagem e estrutura.

    A história desses ritmos no Brasil é feita de ciclos: ora mais visíveis, ora subterrâneos, mas sempre presentes. E é essa permanência que explica por que eles seguem sendo reexplorados com tanta força hoje. A cultura é circular, e o grave, quando bate, sempre encontra novos corpos para reverberar.

    ‘‘A partir dos anos 2010 e antes de chegar aos anos 2020, a gente tem uma nova realidade, em que o dancehall acaba se tornando o ritmo porta-voz da Jamaica em São Paulo, principalmente com uma faixa etária mais jovem, com uma população mais periférica. Então, ele deixa de ir do centro para as periferias e vai da periferia para o centro. Ou melhor, da periferia para a periferia. Nessa dialética, nessa maneira de conversar dessa nova onda do reggae em São Paulo talvez caiba um paralelo com o que aconteceu tanto no Maranhão quanto na Bahia. Isso porque a gente tem mais uma vez as periferias absorvendo uma cultura estrangeira, as cores, usando-a para se manifestar de alguma maneira. No Maranhão era a dança, na Bahia era a militância e hoje no dancehall é um misto das duas coisas, da dança, das cores, até mesmo da militância’’, conta Alex Jurássico, produtor e pesquisador de música jamaicana.

    O papel dos sound systems e das radiolas

    Foto: @luzaloap

    Parte essencial dessa história passa pela engenharia do som. Não é só sobre a música, mas sobre como ela é ouvida, sentida, compartilhada. As radiolas maranhenses e os sound systems paulistanos são muito mais que equipamentos: são plataformas culturais. Em suas caixas gigantes e graves profundos, constroem-se experiências comunitárias, de presença e pertencimento.

    Em conversa, com a FFW, Trixxie, ex-produtora de eventos de reggae e frequentadora de festas do gênero explica a importância da aparelhagem para a cultura atual: ‘‘Adaptadas à nossa realidade — já que não somos os detentores dessa cultura, mas sim pessoas que estão compartilhando e replicando — algumas coisas acabaram se perdendo nesses coletivos mais novos. E eu entendo, porque ter um sistema de som é caro. É caro justamente por isso: ter disco de vinil é caro, ter boa madeira é caro, ter um falante de qualidade é caro. Entender sobre a impedância, sobre como fazer a música rodar do ponto de vista da engenharia, é muito difícil. É um conhecimento que muitas pessoas não têm. E, somado à falta de dinheiro, isso acaba gerando uma defasagem muito grande na qualidade dos sistemas de som de hoje’’.

    Lá na Jamaica: 100% vinil e em banda
    Nas festas, os chamados ‘‘clashes’’ funcionam como duelos de criatividade e potência. Para além da disputa, é uma celebração do coletivo. DJs encomendam dub plates — versões personalizadas de faixas famosas — que exaltam o nome do seu sound system em letras exclusivas. Uma mistura de vaidade, técnica e devoção que mantém aceso o espírito competitivo herdado da Jamaica. Mesmo com a transição para formatos digitais, muitos DJs ainda insistem em tocar vinil, mantendo viva a tradição dos discos e da seleção cuidadosa.

    O impacto disso é visto na mistura de gêneros do reggae com música atual. Phillip Augusto, DJ e conhecedor da cena, explica essa mudança e o porquê de continuar usando vinil: ‘‘A galera começa a conhecer e consumir, mas, ao mesmo tempo, é meio ‘‘presa’’, porque o dancehall é muito grande, tem disco de diversos ‘‘trampos’’ [desse gênero] que nunca foram lançados na internet. Para conhecer mesmo, tem que estar viajando e indo em loja de vinil. […] Não sei exatamente como está agora, mas lá na Jamaica, o estilo original era 100% vinil e em banda’’.

    Transformação brasileira

    Esses bailes não são só sobre ouvir, mas sobre dançar, vestir, ocupar. Cada região do país traduz essa cultura com seus próprios códigos: a reverência quase religiosa do roots em São Luís; o visual colorido e ativista de Salvador; o caos estético das periferias de São Paulo, onde o dancehall vira linguagem de rua.

    ‘‘Tem coisas que o público geral não tem muita noção — e nem precisa ter, tá? Porque estão ali só para consumir. Só que também acho muito doido como, com o passar do tempo, tudo isso está se diluindo tanto, mas tanto, que está se transformando em algo novo. Não necessariamente com a mesma tração de antes, mas talvez se modificando para algo exclusivamente brasileiro, sabe? Até porque a maneira como a gente dança é muito distinta. A forma como as pessoas se vestem lembra muito os Estados Unidos dos anos 2000. Claro, a comunidade preta estadunidense influenciou várias e várias pessoas ao redor do mundo. Mas se a gente olha para a Jamaica, principalmente ali dos anos 1970 em diante, dá para perceber outro tipo de retórica, outra construção’’, comenta Trixxie, sobre as mudanças que ocorreram dentro do gênero.

    O revival atual

    Chegamos a 2025 com uma nova geração de artistas remixando essas heranças. Se o funk foi o grande som das pistas da década passada, agora ele se funde ao dancehall num novo híbrido batizado de ‘‘funkhall’’. E é aí que entra a atual onda: sons como “Botano (Útero Baixo)”, de Caio Prince, DJ Thiago Martins e MC Luanna, viralizaram em sua versão dancehall; “Mama Olhando pro Pai” e “Mina de Vermelho – Dancehall” seguiram o mesmo caminho, provando que o grave jamaicano encontrou morada nas produções brasileiras.

    ‘‘O reggae é uma música com alto poder de encantamento do jovem e alto poder de rejuvenescimento. Então, todo jovem no início da sua juventude, no fim da sua adolescência, quando a rebeldia inerente a um jovem começa a surgir nele, acaba ficando suscetível aos encantos do reggae. Costumo dizer que alguém aos 16 anos, para gostar de Beatles, precisa de muito mais do que só ver um videoclipe e escutar a música. Vai precisar de mais. Agora, um jovem de 16 anos, ao se deparar com Bob Marley, um videoclipe do Peter Tosh cantando ‘‘Legalize It’’, uma capa de um ‘‘Catch a Fire’’, automaticamente assimila aquilo como algo para ele, ou possível para ele’’, acredita Alex.

    O EP ‘‘Dancehall Mix’’, de Tasha e Tracie, lançado no fim de 2024, sacramentou o momento: a sonoridade ganhou camadas, contextos e presença. Mas esse “revival” não é uma volta nostálgica — é uma continuidade remixada. Os produtores atuais misturam dancehall com funk rave, afrobeat, trap e elementos eletrônicos sem pedir licença. E fazem isso criando uma estética nova, brasileira, periférica e absolutamente contemporânea.

    ‘‘Na real, o dancehall nunca foi embora, o dancehall é um dos reggaes mais populares, ele só tem força na quebrada, na periferia, o que mais chega nesses lugares é música afro. […] O reggae em si e o dancehall são uma ideologia, dança de salão, tá ligado? Aquela coisa mais envolvente, adolescente, se vestir bem, músicas que mexem com o corpo. Música boa tem que ser consumida, não tem muito mais gênero e idade, mas geralmente a galera mais nova gosta bem mais, pelo ritmo, pelo estilo’’, finaliza Pipows.

    O papel da internet e das redes sociais

    @djmalokaoriginal

    #baile #baila #bailedefavela #favela #dancehall #raggae #🏳️‍🌈 #brazil

    ♬ Mina De Vermelho – Dancehall – DJ Maloka Original & Mc gedai & MC Kelme & DJ 21

    Se antes os bailes se espalhavam por boca a boca ou grupos de Facebook, agora são os algoritmos que ditam o hype. TikTok, YouTube e Instagram se tornaram plataformas de difusão e descoberta. Uma coreografia, um trecho de letra ou uma batida bem posicionada num reels pode reviver clássicos dos anos 2000, ou explodir um artista independente.

    Alex reflete e teoriza o motivo do dancehall ter dado um novo frescor ao reggae, que sempre esteve ali, mas vai e volta em ondas. “Acho que o reggae nunca deixou de ser popular. Brinco inclusive que o reggae é o ritmo mais popular do mundo porque se você for olhar para o mundo, qual outro ritmo de origem consolidada, definida como o reggae da Jamaica, tem tanto seguidor e espaço? O que acontece é que, no Brasil, o reggae passa por ondas. Talvez agora esteja chegando ao mainstream, ou sendo reconhecido por veículos maiores por causa do TikTok, por causa do dancehall. Mas ele já estava aí. E aí, entrando no dancehall, acho que ele é mais assimilável dentro do contexto atual da música. Porque hoje música não é só música — é visual, é performance, é dança, é conteúdo para rede social. Quando o reggae estava em alta, mas o dancehall ainda não era o fio condutor, essas discussões ficavam restritas aos espaços mais especializados. Hoje, é o dancehall que chama atenção para tudo isso e é reflexo dele trazer esses elementos que compõem a música atual: coreografia, redes sociais, viralização, dança… E o nosso país é um país de dança, né?’’

    @ybarnasc

    #fyp #submundo808

    ♬ Mina De Vermelho – Dancehall – DJ Maloka Original & Mc gedai & MC Kelme & DJ 21

    Questões de identidade e resistência

    Phillip Augusto, conhecido como Pipows. Foto: @luzaloap

    No centro de tudo isso está a resistência. O dancehall e o reggae não são apenas estilos musicais: são também formas de existir, de reivindicar espaços, de falar sobre corpo, cor, gênero, periferia e prazer. Essa é uma música que sempre se expressou pelo corpo, seja no two step do roots ou nos passinhos coreografados dos dancers.

    Ao mesmo tempo, é também um espelho. A galera que cola nas festas como Fuego, em São Paulo, se reconhece nos sons, nas roupas, nos beats e nas letras. A construção de um espaço seguro para corpos dissidentes é parte fundamental da experiência. E tudo isso faz do dancehall algo ainda maior: uma cultura viva, moldada pelo tempo e pelos territórios, que hoje pulsa mais forte do que nunca.

    Como define Deive Muniz, DJ e produtora da festa Fuego Dancehall, ‘‘sempre priorizamos que a Fuego seja um ambiente seguro e bem-visto por todes, sem discriminação ou qualquer tipo de preconceito. Nunca tivemos problemas relacionados a isso dentro dos nossos eventos’’. Essa segurança não é só simbólica — é prática e construída em cada detalhe: da curadoria musical à diversidade no line-up, do cuidado com o público até os códigos visuais da festa. Como Deive também reforça: ‘‘nunca devemos perder a nossa essência, sempre lembrarmos de onde viemos e que somos artistas independentes e vivemos o underground.”

    Para finalizar, Alex deixa uma mensagem e explica o crescimento do gênero. ‘‘É importante lembrar: o dancehall só está aqui porque o reggae chegou antes. Então, mesmo que ele esteja agora no topo da onda, com mais atenção e espaço, é o reggae que sustenta essa base. Às vezes parece que o dancehall vai ‘resgatar’ o reggae — mas, na verdade, foi o reggae que preparou o caminho. O que temos não é um resgate, é uma continuidade. E talvez o nosso papel agora seja usar esse momento para agradecer e manter viva essa base que o reggae representa.’’

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