Pela primeira vez, o Superior Tribunal de Justiça brasileiro (STJ) reconheceu oficialmente a possibilidade de uma pessoa se identificar com um gênero não-binário – ou seja, que não seja uma das duas únicas escolhas até então possíveis de “mulher” ou “homem” – em sua certidão de nascimento. A decisão, unânime e histórica, foi tomada pela Terceira Turma do STJ no dia 7 de maio e abre um precedente importante no reconhecimento jurídico das identidades não-binárias no país.
O caso envolve uma pessoa que, após passar por procedimentos cirúrgicos e iniciar tratamento hormonal, solicitou a alteração de seus documentos para o gênero masculino. Anos depois, entendeu que também essa identidade não traduzia sua experiência de gênero e recorreu novamente à Justiça para retirar o marcador binário. A pessoa escolheu ser identificada, em seus documentos, como “gênero neutro”, uma das várias identidades possíveis dentro do espectro não-binário. O processo corre sob sigilo.
Mesmo sem legislação específica sobre o reconhecimento de pessoas não-binárias, o colegiado entendeu que não há razão jurídica para impedir esse tipo de alteração. Se homens e mulheres trans já têm garantido o direito à retificação de seus documentos, por que o mesmo não se aplicaria a quem se identifica fora do binarismo?
“A pessoa trans precisa e merece ser protegida pela sociedade e pelo Judiciário”, afirmou a ministra Daniela Teixeira, ao citar decisões anteriores do STF sobre o direito à identidade de gênero. “Dar o direito à autoidentificação é garantir o mínimo de segurança que pessoas binárias têm desde o nascimento”.
Ainda que passível de revisão, a decisão sinaliza uma virada simbólica no entendimento das instituições brasileiras sobre a pluralidade de existências. O STJ dá, assim, um passo (tímido, mas necessário) em direção a uma estrutura legal mais alinhada com a realidade das pessoas não-binárias no Brasil.