Como a Misci se tornou a marca mais influente do Brasil
Com uma base de fãs e clientes sólida e produtos desejo que já ultrapassaram as fronteiras, a marca de Airon Martin tem se tornado gigante, mesmo sendo pequena.
Como a Misci se tornou a marca mais influente do Brasil
Com uma base de fãs e clientes sólida e produtos desejo que já ultrapassaram as fronteiras, a marca de Airon Martin tem se tornado gigante, mesmo sendo pequena.
Você lembra quando foi a última vez que uma marca brasileira gerou frisson? Dos desfiles homéricos da São Paulo Fashion Week, que aconteceram por 15 anos no Pavilhão da Bienal no Ibirapuera, anos depois o mesmo espaço abrigou o desfile da Misci com a coleção Tendatripa. Reunindo gregos e troianos como espectadores, estavam presentes a nata da moda, como jornalistas, novos designers, artistas e influenciadores, bem como clientes vestindo Misci da cabeça aos pés e fãs da marca com um bolsa e um boné.
Quem não conhece a história de Airon Martin, designer mato-grossense de 32 anos que desenvolveu a marca como trabalho de conclusão de curso, pode ficar curioso sobre como ele conseguiu o feito de fazer parecer grande uma marca pequena. “O Airon tem uma visão de marketing e negócio muito boa. Ele sabe fazer articulações, conseguir patrocinadores e montar um negócio. Ele tem um planejamento financeiro que muitas marcas não tem” conta, Daniela Falcão, ex-diretora da Vogue e mente por trás do Nordestesse que aplaudiu de pé a apresentação da Misci. E ela está certa. O desfile cujo investimento é avaliado em 700 mil reais – isso sem considerar Ivete Sangalo que não cobrou cachê – só foi possível acontecer por conta de várias parcerias que arcaram com parte desses custos, como foi o caso do Showroom Contemporâneo, que cedeu o grandioso vão central da Bienal para o desfile acontecer.

“A tradução de suas raízes brasileiras, que flertam sempre com referências populares, embaladas em produtos bem acabados, de apelo global, é algo que cativa e aproxima a roupa do público”, exemplifica Sylvain Justum, diretor de redação da Forbes Life Fashion, que vê que não apenas a postura da marca é o fator de sedução, mas também a postura do designer. “Apesar de fazer moda para uma clientela com certo poder aquisitivo, Airon Martin não se fechou em uma bolha elitista e pseudo erudita, como era de praxe em décadas passadas. Ele entende o contexto no qual está inserido, entende o seu tempo, e é muito bom de relacionamento”, pontua.
Essa leitura do presente foi fundamental para buscar nas histórias do passado um ponto de vista que contemplasse um caminho para o futuro. Tal visão é inegociável para se manter na indústria: “Mais do que uma marca, Airon criou uma empresa contemporânea: com propósito e cultura. Dois elementos com que não apenas celebridades, mas clientes atentos às mudanças do mundo querem se identificar”, reflete Bruno Astuto, CCO do Shopping Cidade Jardim, que abriga a segunda butique da marca.
Desde os primeiros produtos da Misci, onde Airon considerava que era uma marca que tinha “uma camisa de linho e uma história com muita vontade de vencer”, a fascinação com esse olhar fresco que gerava o desejo de pertencer a uma comunidade é o que permanece e mantêm a ligação com o consumidor viva. Esse relacionamento conquistou não apenas a cliente de moda que quer uma peça cool e sexy, mas também aquele que está muito além das fronteiras do mundinho fashion.
Carlinhos Maia, humorista que hoje reúne mais de 30 milhões em suas redes, vê o universo da moda como o mundo mais frio que existe, mas que encontra em Airon, uma conexão que fala com ele e sua origem. “Por mais que eu goste muito de moda, eu não sou fashionista. Então é uma marca que tem a pegada fashion, mas sem ser tão extravagante. O desfile dele começou com Calcinha Preta, tocou no meu lado emocional, aquecendo o coração com essa identidade, sem medo de ousar misturando o fashion com a raiz nordeste.”, disse o influenciador que se sentou ao lado de Gloria Kallil, Lenny Niemeyer e outros nomes tradicionais da moda.

Não apenas influenciadores, mas também entidades do pop nacional fazem questão de construir essa história juntos a Airon. Ao fechar o desfile de surpresa, a cantora baiana Ivete Sangalo fez a plateia ir à loucura. E assim como outras celebridades presentes, ela foi pela camaradagem prestigiar o designer do momento. Como pontua Airon, Ivete, que é tia de sua melhor amiga, tem ele como parte de sua família e não poderia deixar de celebrar um projeto em que ela acredita e compartilha dos mesmos valores. Quem também acredita na visão de Airon é Anderson Baumgartner, dono da agência Way. Ele comenta que Airon entrou em contato com ele durante a graduação para que a Way emprestasse modelos para sua apresentação do TCC. “Quando pedi para ver o trabalho, vi que ali já havia um geniozinho e então obviamente ele teve o meu apoio e o apoio da Way desde o comecinho, desde antes mesmo dele estar formado”, recorda.
BRAZIL DO BRASIL
Falar sobre Brasil não é fácil, já que nosso país intercontinental é espaço de diversas culturas que, quando não unidas, competem entre si. Quando falamos da moda, isso se soma aos desafios econômicos e ao interesse – muitas vezes inexistente – do consumidor sobre o que é criado e feito aqui. Mas em uma combinação bem equilibrada, Airon conseguiu mixar a cultura do Nordeste e do Centro-Oeste com a matéria prima do Norte e Sul, feito pela melhor mão de obra do Sudeste. Por conta disso, a forma que admiradores veem a marca, muitas vezes coloca a Misci num lugar de salvador da pátria da moda nacional, em um cenário onde a maioria das grifes bebem de referências internacionais para pautar suas coleções. Ou seja, colocam-na como a etiqueta que pode representar o Brasil no mercado exterior. Mas quem entende mesmo, sabe que isso é um trabalho de formiguinha e de união. “É Misci, não Messias. Não pode e nem vai carregar essa conta sozinha”, pontua Bruno Astuto.
Além dos admiradores, a narrativa do designer também gera críticos. Nas redes sociais não faltam comentários que apontam Airon como alguém de falas infladas que se coloca como o mais genuíno representante do Brasil, se esquecendo de outros designers com o mesmo discurso. Porém ele nega. O próprio estilista reconhece e admira outros criadores que também tem a brasilidade como pauta, por entender que isso é maior que seu trabalho. “Eu acho que esse movimento no qual eu faço parte pode ser muito mais forte se tiver mais marcas fazendo o que eu estou fazendo, que é falar sobre o Brasil. Eu quero que falem cada vez mais do Brasil. É fato que cada um vai ter sua visão de Brasil. Por aqui, eu falo da minha visão e se existe alguém que não se identifica com minha visão, tá tudo bem. Existem outras marcas incríveis que eles vão se identificar”, explica o designer.
Mas é inegável que sua leitura é sedutora. Tanto que conseguiu conquistar jovens clientes, jornalistas especializados e celebridades locais e internacionais que nunca olharam para cá. É o caso da apresentadora estadunidense Oprah Winfrey, que em sua passagem recente por São Paulo em um passeio no Shopping Cidade Jardim, viu as bolsas da Misci e disse a Bruno Astuto que achou as peças “icônicas” por falar sobre o Brasil de um jeito novo. Resultado? Ela comprou quatro bolsas, sendo elas a Bambolê (nas cores Marrom e off-white), Eli em couro de pirarucu e Tesão, ambas no tom Whisky.

O crescimento da Misci surpreende. Em pouco tempo a grife conquistou clientes na Coréia do Sul e emplacou peças em revistas internacionais, tudo de forma orgânica. O foco agora é no futuro da empresa, que desde a coleção de novembro tem priorizado o atacado. O plano de fazer a Misci crescer cada vez mais fez com que Airon deixasse de lado o projeto de criar uma marca homônima e trazer alguns de seus planos para a etiqueta principal. Junto dos acessórios, o vestido é o produto hero e também o ponto de partida criativo para cada nova coleção: o que a mulher quer vestir para se sentir interessante e sexy. “A coleção foi inteira pensada para mulher, inclusive a parte masculina foi pensada para a mulher. Teve muito homem usando o produto feminino nessa coleção e as pessoas nem perceberam”, comenta Airon.
O sucesso se vê também pelos números e resultados recentes com vendas que triplicaram em um curto espaço de tempo. A originalidade na assinatura criativa somada ao produto de qualidade, com consciência ambiental e o storytelling é o que fascina, e não para por aí. Enquanto a mulher da capital quer se vestir para ser elegante e culta, a mulher do interior quer se vestir para ficar sensual e se sentir bonita. Ciente disso, Airon consegue habilmente juntar essas duas personalidades em um arquétipo só, mostrando que a miscianes podem ser o que quiser e ir além.