Enquanto se via quarentenado no Brasil por causa do coronavírus, o português Marcelo Alcaide, que vive entre Lisboa, Berlim e Paris começou a pensar de que forma poderia criar algo que pudesse ter um impacto positivo e gerar renda para alguns setores da cadeia de moda local gravemente afetada pela pandemia. Foi daí que teve a ideia para criar o “Reif Act Non”, projeto colaborativo que envolve uma serie de artistas nacionais e internacionais, entre eles Telfar Clemens, Estileras, AVAF e Yves Tumor entre outros nomes da cena criativa não-mainstream.
Marcelo, que já realizou outros projeto ligados à arte e à cena noturna, volta agora a se ligar à moda num projeto de upcyling onde roupas de doação foram recriadas por esses artistas e costuradas por 3 costureiras de São Paulo que receberão parte da renda da venda de cada peça. A transparência no processo é outro pilar importante do projeto e 40% das vendas serão doadas à Casa Branca, FOIRN – Nós Cuidamos – Rio Negro, Casa 1 e Projeto Existimos para ajudá-los a distribuir ajuda à populações carentes em algumas das regiões mais afetadas de São Paulo e da região do Amazonas.
Marcelo conversou conosco por email e contou sobre sua relação com o Brasil, como o projeto aconteceu e o que ele pretende alcançar com a ação.
Você é português, morou em Paris e Berlim e passou uma temporada em SP. O que te atraiu na cidade?
Sou português e parte da minha família estava aqui no Brasil ou parte tinha vivido aqui, então a influência da cultura brasileira sempre foi bem presente no meu crescimento. Eu olho para o Brasil como o espelho do mundo – para o melhor e para o pior. Se o mundo tivesse que ser representado num país seria o Brasil. Exuberante mas também bem dark. Como um amigo meu se refere – o perfeito ‘tropigoth’.
E São Paulo é isso mesmo. Extremamente inspiradora. A cada visita, fico mais ‘preso’. O nível de conexão cognitiva e espiritual que presenciei com experiencias pessoais e interpessoais são dispares de qualquer outro lugar. Vivemos um momento bastante difícil atualmente – e daí a habilidade de reinvenção e criação que São Paulo tem é muito interessante. Sem quaisquer romantismos aqui, o tempo é realmente de ação sem quaisquer atos de silêncio e complacência.
O que a cena criativa e de moda de São Paulo tem singular comparadas as cenas das capitais européias?
Como me referi antes, São Paulo é muito particular. Centro da América Latina, sua mistura complexa, sua poesia. A sua capacidade de reinvenção, híbrida.
Entre os criadores colaboradores do projeto estão nomes como Telfar Clemens, Estileias, Yves Tumor, Vava Dudu. Como tem sido esse trabalho de criar com tantas pessoas de lugares e backgrounds diferentes?
Tem sido extremamente gratificante na real trabalhar com estas produtoras – a Celina, a Rose e Beatriz e perceber o efeito que o re-criar estas peças através do input distante desses diferentes colaboradores. De como desconstruir as peças e refaze-las aplicando diferentes técnicas. O resultado final é o estímulo e a desmistificação em vários níveis criados dá força para continuarmos.
O projeto tem um viés político-social desde sua proposta até mesmo na escolha dos colaboradores. Muitos deles tem sido vozes importantes além de suas áreas. Qual o papel da moda nesse contexto?
Só pelo fato de serem participantes no projeto já tem que partilhar dessa necessidade de expressão política e de pensar fora da sua comunidade também. Todos os artistas participantes tem uma prática e uma voz ativa de mudança, de empoderamento, não só para suas comunidades mais adjacentes. Todos partilhamos essa visão e todos tem interesse pelo que se passa aqui em São Paulo, na região amazônica, no Brasil como um todo. Sejamos sinceros que mais do que tudo estamos num experimento, que a intenção é que isso cresça e que sirva de exemplo. Que o projeto seja executado em outros locais com outras comunidades e intuitos.
O papel da moda aqui tem a ver com o papel democrático que a moda tem ou pode ter. O upcycling tem sido algo muito falado e praticado nos mais diversos núcleos da moda internacional como sabemos. Mas a verdadeira essência desses projetos ficam um pouco aquém. A relação entre produtor, designer e causa não e tão estreita, não há uma elucidação comum.
O reaproveitamento de roupas doadas juntamente com uma curadoria de artistas e designers criando uma conversa sobre diversas temáticas e fazendo uma coleção acessível, parece me ser uma boa resposta e reflexão que todos parte desta indústria, mas não só, precisamos fazer. Até mesmo pela quantidade que produzimos, os tópicos que abordamos.
Participantes como os ECOCORE que criaram a estampa VACCINE, a apropriação do logo da Amazon pelos T/ESTEMONY, o print DEPORTED ou os grafismos do Assume Vivid Astro Focus & Fabio Kawallys tentam mais uma vez usar peças de roupa como alertas do momento. É importante, ao meu ver, expandir esta discussão para além daqueles que tem uma situação privilegiada. A Reif nao é uma marca mas sim quer oferecer à marcas essa plataforma participativa.
A transparência em relação a composição do preço das peças parece ser um dos pilares do projeto. Como isso vai se dar?
Queremos que a transparência impere na divisão dos nossos lucros – 30% produção, 30 % comunicação e logística e 40% para a causa social via doação. Todos os produtos serão devidamente taggeados com a informação do projecto e do seu processo, assim como quem os produziu e a causa que receberá parte da sua venda.
Um dos principais pontos é que o projeto seja acessível a uma audiência mais ampla. Daí nos juntamos também a Cartel 011 que ofereceu desde o início a sua plataforma online para vendermos os produtos e torná-los também acessível a seu público.
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O primeiro drop das peças chega hoje ao e-commerce da Cartel 011. Abaixo a programação completa dos drops e criadores.
Drop 1 – semana 3-9 de Agosto: Non, AVAF & T/Estemony com Amazonas
Drop 2 – semana 10-16 de Agosto: Eccore c/ Vaccine, Vivão Project & Fabio Kawallys Fort
Drop 3 – semana 17-23 de Agosto: Vava Dudu, Estileras & Telfar
Drop 4 – semana 24-31 de Agosto: Yves Tumor, Yolanda Zobel, Marcelo Alcaide & Hydra