Tudo o que Isaac Silva faz parece envolver muito afeto. Desde a maneira carinhosa e empática como trata as pessoas, até o cuidado de avisar, antes do início do desfile, que todos pegassem um ramo de arruda e um pouco do sal grosso (que compunham a cenografia) ao final da apresentação: era com muito amor que ele havia pensado em transmitir boas energias aos convidados. Sua delicadeza torna seu discurso ainda mais poderoso e eficaz ao defender a representatividade dos negros na moda (e no mundo), sejam eles profissionais do setor ou clientes de sua marca, criada há cinco anos com foco na mulher negra. O estilista sempre, porém, faz questão de deixar claro: todos podem usar suas peças, seus búzios, suas conchas, seu axé. E foi com essa energia ao mesmo tempo inclusiva e afirmativa que Isaac, ex-integrante da Casa de Criadores, estreou no São Paulo Fashion Week com provavelmente o desfile mais disputado e mais ovacionado de toda a temporada.
Há muitas referências às religiões afro-brasileiras e à ancestralidade africana na coleção. Mas a intenção do estilista parece ser a que você mais sinta do que identifique e consiga explicar a origem de cada uma delas. Preocupada com a minha ignorância sobre o tema (e da minha posição como branca), ciente do desrespeito que poderia representar um erro de informação nesta resenha, cheguei ao backstage, horas antes do desfile, disposta a não deixar passar um detalhe que não fosse capaz de checar no Google com muita precisão. Há, de fato, muita riqueza de informações, das alusões às vestimentas dos Orixás, das conchas, dos búzios que estão na moda e que são um importante símbolo religioso, usado pelos Orixás e em jogos divinatórios. “Muita gente veste sem saber seu significado, sem se dar conta da boa energia que eles trazem. Seria tão bom que soubessem isso”, diz o estilista, com sua doçura habitual. Mas, para quem não está dentro da cultura, não há como querer se inteirar de informações e mitologias ancestrais de uma hora para outra: quem sabe, sabe; quem não sabe, admira, respeita, participa até onde lhe cabe, e depois procura se ilustrar.
Os looks começam com vestidos vazados de crochê encomendados para a modelo Samira (ela tem uma marca especializada na técnica), que abre em dupla, com Carmelita, a apresentação, causando frisson. As duas, assim, como muitos dos modelos, representam Orixás variados, com destaque para Oxalá. Iemanjá surge de cabelo até o pé num look branco total, única cor usada em toda a coleção e vestida na sexta-feira por muitas religiões. “Escolhi porque é também o símbolo do luto e da guerra. Num momento tão difícil como o que vivemos agora, temos que nos posicionar e resistir”, diz. Vale mencionar os acessórios desenvolvidos pelo estúdio MKWC, de Marcio Krakhecke e Wanderlei Cesar, com peças bold e feitas à mão.
O desfile segue para a parte de streetwear com peças de malha de algodão e viscose, a jaqueta com o slogan da grife, “Acredite no seu Axé”, que já virou peça-desejo, e termina na homenagem a Oxalá com o blazer e a calça bordados com búzios e brilhos prateados e os vestidos festivos, representando o céu de Oxalá. No styling, Maurício Mariano e Alessandro Lazaro fazem sua estreia no São Paulo Fashion Week.
“Com a abertura da minha loja, que está dando supercerto (Isaac inaugurou seu primeiro endereço físico, no centro de São Paulo, no fim do ano passado), não pretendia fazer desfile este ano: queria tirar um sabático. Quando o São Paulo Fashion Week me convidou, fiquei na dúvida, mas depois pensei sobre o que eu estar aqui pode representar para outras pessoas. E, se estou aqui, tenho que trazer outros comigo. Modelos e outros profissionais talentosos que, por causa deste sistema da moda, nunca trabalharam num SPFW.” (CAROLINA VASONE)





































Foto: Zé Takahashi / Ag. Fotosite




































