Pode ser considerada moda uma coleção que tem como único propósito seduzir com o que já é familiar em vez de lançar um desafio, nem que seja pequeno? O designer está fazendo o seu melhor trabalho quando a criatividade termina na apropriação, em vez de começar nela?
Essa é uma questão antiga e que foi levantada nessa semana pelo “WWD” para questionar a última coleção da Saint Laurent por Hedi Slimane.
Mas que também pode ser usada ao contrário, para mostrar como algumas marcas levam os desafios da moda ao extremo, criando imagens inesquecíveis e fortes, desafiando tudo o que é convencionalmente bonito.
Rick Owens e Rei Kawakubo (Comme des Garçons) são dois ótimos exemplos de designers que conseguem viver à margem do tradicional e que ao mesmo tempo são cultuados e mantêm negócios prósperos. Mas as apresentações recentes das duas marcas na temporada Verão 2014 mostram ainda mais coragem. Duas pessoas sem medo de correr riscos, sem medo de ousar, de trabalhar por instinto e intuição.
“A única forma de criar algo novo é começar sem a intenção de fazer roupas”, disse Rei, que mostrou uma série de 23 looks (se é que podemos chamar assim) que estão mais para adornos do que para roupas em si. Uma verdadeira “extravaganza” fashion, que nos leva aos bons anos da década de 1990, tempos do maximalismo arrojado de John Galliano e da inventividade dramática de Alexander McQueen.
Na Comme, cada modelo entrava com sua própria música, que nada tinha a ver com a anterior ou a próxima. Uma apresentação em que cada peça é uma história individual. O que escrever sobre essa coleção? Que o comprimento é o vigente na estação? Que os tecidos são tecnológicos? Que é uma evolução do desfile anterior? Kawakubo não mostrou ali sua proposta para o Verão 2014, mas um presente à comunidade da moda, que é obrigada a pensar e a achar um lugar para aquilo, em meio a it bags e tantos sapatos flat, essa sim a onda do momento. É algo que deve ser sentido mais do que analisado.
Rei sempre quer fazer algo novo, e com mais de 70 anos e 40 anos de marca, segue com esse exercício, incansável e brilhante.
E o Rick Owens? O estilista da Califórnia levou 40 mulheres de quatro grupos de step dos EUA (The Zetas, Washington Divas, Soul Steppers e Momentums), que fizeram uma performance enérgica batendo os pés e as mãos e gritando, perfeitamente ensaiadas. As meninas faziam, propositalmente, caras nervosas, as chamadas “grit face”, usadas para intimidar os rivais em uma competição.
“Os times de step são um fenômeno nos Estados Unidos”, ele disse ao “WWD”. “Minha estética sempre foi a interpretação de um americano sobre o glamour europeu. Colocar essas meninas em uma passarela de Paris é a culminação de tudo o que eu faço”.
Owens criou roupas que poderiam estar em qualquer um de seus desfiles, mas em tamanhos maiores e com bastante elasticidade já que a atividade corporal rolou solta na apresentação. Tem que ver o vídeo!
Sua estética nunca traduziu uma beleza tradicional. Seus desfiles têm um clima que permanece por muitos dias, da imagem de moda criada à música que não sai da cabeça. Mas nunca espere algo doce. Rick fala com novas heroínas que preservam sua individualidade. O próprio estilista e sua mulher Michelle têm uma identidade visual forte e que não se relaciona com nada que é tradicional. Assim como eles, as meninas no desfile comunicam força e confiança. Estavam todos lá – Rick e as dançarinas – representando o respeito à individualidade. “Nós rejeitamos a beleza convencional e criamos nossa própria beleza”, ele disse mais tarde.
Hoje em dia não é fácil para uma marca fazer algo que não cause desejo imediato. Queremos roupas e situações em que podemos ver nosso reflexo de volta. A comunidade de moda tem que agradecer que estilistas assim existam, pois são as pessoas que correm riscos as que realmente abrem as portas da percepção. #freespirits