“A tecla do truque fica ao lado da do desespero. Por isso, apenas desligo”, diz suavemente Ronaldo Fraga. Nem parece que o corpo treme, que a pele sua e que o bigode já se espichou todo. Ele esta sereno, numa espécie de transe proposital. Ronaldo abandonou os cabelos espetados, mas não tirou os alvos dos cotovelos, nem os olhos das pontas dos pés. O sorriso também segue rasgado.
Ronaldo em sua porção Salvador Dalí ©Gustavo Scatena/Agência Fotosite
Talvez essa seja a mágica que transforma um simples desfile numa apoteose com direito a plateia espremida e buchichos por todos os cantos. Quando o show começa, uma bailarina entra em cena com a missão de representar a musa de Fellini, Pina Bausch. Entre as cadeiras colocadas como se fossem obstáculos, a silhueta retorcida apóia-se no bandoneon, enquanto marca o compasso e faz subir a poeira.
Ronaldo em sua porção Fraga ©Gustavo Scatena/Agência Fotosite
Há algo fora do lugar. Ronaldo jura que não é supersticioso. “Não faço nada antes dos desfiles. É só concentração”. Superstição à parte, os modelos atravessam a arena com as cabeças, literalmente, dependuradas nas costas. As roupas são quase lidas de trás pra frente, ou vice-versa. No lugar das novas carinhas, brotam espessas cabeleiras entrelaçadas ao som 100% latino. Este é o universo de Ronaldo Fraga, meio Dalí, meio Seu Quequé, mas com toda a pinta que logo despertará em Eça de Queirós.
Ronaldo em sua porção Seu Quequé ©Gustavo Scatena/Agência Fotosite