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    O Brasil no divã do futuro: o que falta pra sermos perfeitos?
    O Brasil no divã do futuro: o que falta pra sermos perfeitos?
    POR Redação

    por Juliana Lopes, de Milão

    Equipe do Future Concept Lab em reunião de brainstorming ©Divulgação

    FFW conversou com o escritório italiano de tendências Future Concept Lab, que atende renomadas empresas em todo o mundo, ávidas por entender e fazer parte do futuro. No Brasil, Francesco Morace, o sociólogo fundador, e seus consultores, já fizeram e ainda fazem importantes trabalhos com a Natura, Grendene, Osklen, Fiat, Petrobrás e outras empresas brasileiras. Francesco, todo vestido de Osklen, e sua equipe de outros sociólogos, que falam um português impecável, parecem observar o Brasil com uma lupa bastante perfeccionista. Melhor para nós, que estamos num momento de crescimento, em que toda troca de ideias com pessoas inteligentes é válida.

    Suas palavras valem ouro, e suas palestras em geral custam caro. FFW conseguiu uma entrevista-debate com esses analistas do futuro. “O Brasil tem muito talento e espontaneidade, mas tem dificuldades de conceituar e colocar na prática”, foi uma entre várias frases estratégicas de Morace. “A rapidez criativa de vocês sempre nos surpreende”, disse Nicoletta Vaira, também italiana, docente do Instituto Marangoni, na Itália, e do curso de Pós Graduação em Comportamento e Consumo do Senai Cetiqt, no Rio de Janeiro.

    Para quem quiser se aprofundar mais no trabalho deles, dia 25 de agosto Francesco Morace vai lançar a última edição de seu livro “Consumo Autoral”, na PUC do Rio de Janeiro (inscrições aqui). Já no dia 30 de agosto, o Future Concept Lab vai apresentar, na Escola São Paulo, o workshop Cenário Internacional de Tendências (inscrições aqui).

    Imagem de divulgação do workshop Cenário Internacional de Tendências ©Reprodução

    Abaixo, a longa conversa que FFW teve no escritório central do Future Concept Lab, em Milão.

    A renomada revista “Interni”, de design, lançou um número em dezembro do ano passado dedicado ao Brasil e vocês foram os curadores dessa edição. Qual a principal mensagem que quiseram passar do nosso país ao mundo do design?

    Francesco Morace: Somos colaboradores da “Interni”, que é uma das principais revistas de design na Itália, e coordena muitos eventos durante a Semana do Design em Milão. Escrevi um artigo inicial em que explico por que o Brasil é o “laboratório” mais importante do mundo. As razões são várias, são muitas coisas colocadas juntas. Nas empresas você vê muita gente jovem, de 30 anos. E a economia que está desenvolvendo tanto. Nós tivemos isso nos anos 80 na Itália, mas são ciclos diferentes. O Brasil é um país que está numa fase especial de sua vida.

    Desde quando vocês observam e se interessam pelo Brasil?

    Francesco Morace: Nosso interesse começou com uma correspondente nossa, que mora em São Paulo, e trabalha conosco há 12 anos. Criamos uma rede de correspondentes em 40 cidades do mundo no fim dos 80, começo dos 90. E começamos a colher simulações de tendências em todas as cidades. Nos últimos 10 anos, começamos a perceber que o Brasil estava virando um país “laboratório”.

    Por que somos um país “laboratório”?

    FM: De um lado uma base local indígena, depois uma influência africana, e toda uma mistura religiosa. Em São Paulo vemos também outras misturas com comunidades japonesas, italianas, espanholas. Isso faz do Brasil um país arco-íris. Sem contar a questão dos recursos naturais, e de uma população profissional assim tão jovem, com forte evocação tecnológica. O Brasil é bastante experiente em Internet.

    A capa da “Interni” especial Brasil e a primeira página do artigo de Francesco Morace. Ele escreve: “A tempestividade define a capacidade de São Paulo estar no lugar certo, no momento certo: nos empreendimentos, na comunicação e também no consumo, como demonstra a grande quantidade de ofertas gastronômicas…” ©Reprodução

    E em que ponto se iniciou a ligação entre vocês e as empresas brasileiras?

    FM: Começamos a observar o crescimento de algumas empresas, como todo o percurso da Havaianas. Seus novos produtos, a expansão mundial. Vimos que tinha trabalho, muita coisa pra trocar. E percebemos da parte das empresas uma vontade muito grande de entender o design italiano, a moda italiana, o nosso modo de fazer. E daí nasceu essa ligação.

    Apesar de vocês examinarem tendências que interessam ao mundo da moda e do design, vocês também trabalham com outros tipos de indústria, como a Fiat e a Petrobrás.

    Sabrina Donzelli: Sim, trabalhamos com vários tipos de empresa, mas o design é a nossa base, mais precisamente o Design Thinking. Com esse pensamento fazemos nossas leituras estratégicas. O Design Thinking é a visão que guia nosso trabalho e propostas. É nosso fio condutor.

    O Design Thinking, que é uma maneira inovadora de planejar e desenhar os projetos, espelha muito um modo de fazer italiano, não? Vocês pode explicar melhor o que é esse modo italiano?

    FM: O que caracteriza o Made In Italy é o modo criativo de relacionar-se com a própria identidade. Isso reflete, por exemplo, no modo de nos vestirmos. Vemos uma coisa, combinamos com outra, reconhecemos as cores, tudo de um modo muito natural. No Brasil essa naturalidade aparece na música. Mas do ponto de vista estético, a dificuldade é maior. Existe a espontaneidade e criatividade, mas nas empresas isso tem que ser sistematizado. O manager que deve administrar o projeto tem maiores dificuldades.

    É isso que as empresas brasileiras procuram numa consultoria europeia como a de vocês.

    FM: Os empresários são fascinados e interessados pelo Made in Italy. Eles têm muita boa vontade e grande entusiasmo, mas faltam bases culturais, que deveriam ter sido construídas quando ainda eram pequenos, na escola. Eles vêem o exemplo e depois imitam, em vez de se apropriarem. Isso é um problema muito profundo, uma dificuldade de conceituar.

    Se o nosso próprio Design Thinking ainda não está totalmente consolidado significa que devemos ainda experimentar o que é melhor para nós, não?

    FM: É mesmo uma questão do tempo. Nós temos uma base milenar, há 500 anos já tínhamos o Renascimento, então mesmo que um italiano não aprenda tudo isso na escola, vai sair na rua e vai reconhecer a própria estética nas praças, nas igrejas, nos bens culturais. Já temos dentro essa coisa.

    Ao mesmo tempo, a espontaneidade da criatividade brasileira talvez não seja bem entendida pelos europeus. Um brasileiro pode pegar um tecido e, sem desenhar e planejar, transformar numa escultura, como fez Helio Oiticica com os Parangolés.

    Nicoletta Vaira: A criatividade, a espontaneidade e a velocidade de criação dos brasileiros são surpreendentes. Quando trabalhamos com empresas em workshops explicamos algumas tendências, depois dividimos em grupos e as pessoas têm que reelaborar e criar projetos criativos. Geralmente nos surpreendem pela rapidez. Vocês são muito criativos.

    Sabrina Donzelli: Além da criatividade eu acho que existe nos brasileiros a capacidade e falta de medo de entrar no jogo, de se expor, misturar novos elementos em novos caminhos. Nós europeus temos grandes raízes culturais e essas raízes podem se transformar num limite, porque tendemos a percorrer caminhos já pré-estabelecidos. Por isso é que quem quebra isso, e faz o novo, assusta.

    Francesco Morace durante workshop no Brasil ©Divulgação

    E por que a espontaneidade não basta?

    FM: Vocês são muito criativos numa primeira fase. O grande problema é que falta, mais pra frente, uma atenção aos detalhes, com a qual a Itália é obsessiva. Na moda italiana, se você trabalha com designers renomados como Giorgio Armani e erra um botão, você está fora, sabe? Existe essa qualidade obsessiva devido a nossa milenar tradição de que as coisas têm que ser perfeitas. Pra nós o belo é o bem feito. Vocês têm o belo, mas para fazer bem feito ainda têm problemas porque a cultura em geral não leva vocês a preocuparem-se com os detalhes. Falta disciplina. Numa grande empresa vira uma questão importante.

    É esse o tipo de ajuda que os criativos e empresários pedem a vocês?

    FM: As empresas nos pedem uma contribuição em dois pontos. O primeiro é ajudar a entender o que eles estão fazendo. Porque é mais fácil a gente interpretar de fora do que eles nos contarem. O outro ponto é aperfeiçoar as ideias. Porque uma coisa é ter uma ideia, a outra coisa é fazer um projeto. E em fazer projetos nós somos bons. Vocês nos trazem uma ideia muito bela, muito criativa e espontânea e nós damos procedimento a isso.

    A dificuldade ao longo do processo seria talvez conseguir fazer um vestido, mas não conseguir desenvolver uma coleção inteira?

    FM: Ou então, faz sim uma coleção, mas não conseguir vender porque ainda não tem todos os elementos para ser apreciada e comprada. Que é o que designers renomados conseguem fazer.

    Vocês se interessaram e começaram a trabalhar com o Brasil porque enxergaram uma vanguarda, isso foi muito antes dessa invasão das marcas. Qual a impressão de vocês ao observar que tantas marcas de luxo estão abrindo no Brasil, e até mesmo a gigante de fast fashion H&M?

    FM: Nós inclusive fazemos parte desse movimento porque estamos ajudando as empresas italianas a entenderem o mercado brasileiro. Estamos tentando convencer as empresas menores que mesmo que o preço de seus produtos fique alto, funciona vender no Brasil. Os brasileiros estão dispostos a pagar quatro vezes mais numa bolsa Chanel. São milhões de pessoas que entraram na modernidade e têm vontade de consumir novos produtos. Até marcas que não são de luxo na Itália, quando chegam ao Brasil, por serem de alta qualidade, viram produto de luxo.

    Não temos dúvida de que a primeira coisa que essas marcas querem do nosso país é dinheiro, não dá pra negar. Na opinião de vocês essa invasão de marcas pode também formar e fortalecer nosso mercado interno ou vai ser apenas mais um episódio de colonização?

    FM: Nos nossos projetos, o que estamos verificando é que a fase do simples fascínio do que chega de fora já foi um pouco superada porque os brasileiros estão começando a ter mais orgulho da própria cultura e das próprias raízes.

    NV: O que percebemos, e as empresas do sistema de moda italiano também percebem, é que não existe uma fome apenas das marcas, mas da cultura do bom gosto, dos bons materiais e dos bons processos produtivos. Não é uma simples vontade de Gucci, Armani. Mas de buscar uma nova cultura do saber fazer, saber reconhecer bons materiais, uma questão mais cultural do que comercial, a meu ver. Uma vontade de desenvolver internamente produtos e processos bem feitos que talvez até então faltavam, eu acho que é disso que os brasileiros têm fome. Os brasileiros estão reconhecendo quais são as mercadorias que realmente têm um valor intrínseco que vai muito além da marca.

    Looks do desfile da Osklen no SPFW Verão 2013 ©Zé Takahashi/Ag. Fotosite

    E da evolução da moda brasileira, o que vocês têm a dizer?

    FM: Fizemos dois trabalhos importantes com a Grendene e a Osklen. Oskar Metsavaht é a demonstração de que o Brasil não é só cores, espontaneidade e alegria, mas tem outros valores, como a sustentabilidade. Eu estou todo vestido de Osklen (levanta e mostra o look), minha calça, meus sapatos. Gosto e me identifico com a sua visão. Observando esses casos percebemos que a moda sai da esfera do folclore para a inovação. E digo inovação não imitando a moda italiana ou francesa. Porque quando falamos de quem dirige esta marca estamos falando de verdadeiros intelectuais, além de criativos. Mesmo que exista a inspiração e a colaboração com grandes designers, como o fato da Grendene se inspirar na empresa de design italiano Alessi, não é uma cópia. As afinidades produtivas são válidas, e eles estão fazendo produtos verdadeiramente brasileiros. Quando a moda brasileira faz esse salto cultural, pode virar global.

    Um ponto que gostaria de debater com vocês são os novos valores de riqueza. Ao mesmo tempo em que o Brasil demonstra preocupações com a sustentabilidade, ainda existem ultrapassados valores de luxo que continuam fortes. Construir um prédio arranha-céu todo high-tech e espelhado na beira da praia ainda é luxo para muitos. Do outro lado, gerações conectadas com o novo luxo querem que o Brasil tenha prédios como na Europa, com cinco andares, para não estragar a paisagem. E querem poder ir trabalhar de bicicleta. Conseguiremos fortalecer novos valores de luxo, ligados à sustentabilidade, ou temos que passar inevitavelmente por uma euforia do velho capitalismo?

    FM: Todos esses valores de que você está me falando convivem, ao mesmo tempo. Como se vocês estivessem vivendo 40 anos em quatro anos. Os novos valores, via web principalmente, de qualquer modo, chegam. Os brasileiros não estão presos nos anos 60. Mas não estou falando dos mais cultos. No geral o Brasil vive um grande caos que pode ser muito frutífero. De um lado aquele impulso pela modernidade clássica, que quer dizer o consumo clássico, o luxo, as marcas, isso tem e não se pode dizer que não tem. Ao mesmo tempo os brasileiros recebem estímulos dos novos valores, da sustentabilidade, da naturalidade, da proximidade ao próprio território. Se você sai pra jantar pode ir a um lugar onde vai ter um novo chef de grife e em poucos quarteirões encontra um restaurante biológico, em linha com tudo o que você encontra em Milão.

    Acho que o Brasil pode sim chegar a todos esses novos valores, mas nada vai acontecer de um modo linear, vai ser muito caótico, o que é também belo. As empresas precisam aprender a conceituar tudo isso que está acontecendo, não apenas participar das grandes tendências. Por isso inclusive que pedem nossa consultoria.

    Mas por que foi só agora que o Brasil se tornou exemplo de inovação?

    FM: Há dez anos o Brasil não poderia interpretar esse papel porque as lógicas de vida vigentes no mundo eram anglo-saxônicas. A lógica financeira, a lógica da carreira, eram outros valores. Os valores que estão hoje valendo são outros, são ligados à sustentabilidade, aos regionalismos, e são muito mais próximos à cultura brasileira. Por isso o Brasil pode ser um lugar onde se constrói o futuro.

    É difícil para a indústria conceituar esse futuro porque são muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo?

    FM: Sim. Aqui na Europa foi tudo mais claro e mais lento. É mais simples para nós enxergar linearmente qual foi o fashion system dos anos 80, o design dos anos 90, os anos 2000… No Brasil é tudo agora, tudo junto. É muito mais complicado, mas muito mais fascinante! Sinto-me seguro pra dizer que tudo isso o que virá é o futuro. Por um salto de qualidade das pessoas. O importante é organizar um sistema de instrução que seja à altura do que é o país. Porque hoje em dia isso não tem no Brasil. A escola. Hoje existem as escolas privadas, mas as escolas públicas não são como na Itália, que são ainda melhores que as privadas. Quando o Brasil tiver boas escolas, vai ser o país do futuro.

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