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    Entrevista: conheça Rafael Maniglia, um olhar brasileiro e cult no cinema de Milão
    Entrevista: conheça Rafael Maniglia, um olhar brasileiro e cult no cinema de Milão
    POR Redação

    Direto de Milão

    Rafael Maniglia ©Juliana Lopes

    Qual brasileiro informado não se sentiria em casa vendo, em pleno teatro central de Milão, filmes dos neo-tropicalistas Dácio Pinheiro e Fábio Kawallys? Um verdadeiro tilt na cabeça, mas é real: essa confluência de dois mundos distantes acontece por intermédio de um curador brasileiro paulista e “exótico”, Rafael Maniglia. Nascido em Franca, formado em São Paulo na FAAP e vivendo entre Milão e São Paulo há quase 10 anos, Maniglia funciona como uma “vozinha maldita” nos ouvidos italianos do festival Mix Milano, no qual trabalha como curador. Sua revolução está no silêncio da sala de cinema numa cidade que é tão moderna (na informação que circula) quanto retrógrada (na política). Não por acaso esbarra sempre, no Brasil ou Europa, com outros neo-tropicalistas como Dudu Bertholini e cia. E, como seus colegas antropofágicos, devora milhares de informações e escolhe a dedo o que é preciso para transformar a plateia.

    A profissão de curador parece às vezes invisível, mas não é nada sutil escolher o que as pessoas vão assistir. Como começou isso na sua vida?

    Me ofereci pra trabalhar como voluntário pro festival aqui em Milão e acabei sendo englobado por ele. Fazia também assistência pro mesmo diretor do festival, Giampaolo Marzi, na programação de um canal de televisão, o Bonsai TV. A gente comprava os programas que tinham que passar no canal, assistia muitos e também lidava com direitos autorais. Foi aí que comecei minha carreira em curadoria. Com o tempo passei a viajar e fazer pesquisa em outros festivais como o de Londres e o de Berlim, que é um compromisso anual.

    O interessante na sua carreira é a mistura de referências do Brasil e da Europa. Na prática aconteceu de você trabalhar contemporaneamente no Mix Brasil e Mix Milano. Como foi isso?

    Desde que comecei, a relação entre o festival daqui de Milão e o Mix Brasil, com a direção da Suzy Capó, ficou muito mais próxima. Eu trazia aqui pra Itália informações do Brasil e vice-versa. Trabalhava seis meses do ano aqui e seis meses do ano ia pra São Paulo pra trabalhar na coordenação do Mix Brasil. Mandava dicas daqui pra Suzy e vice-versa. Ela inclusive veio pra cá pra fazer parte do júri e também trabalhou na parte da programação. Então eu fazia, ao mesmo tempo, a programação lá e a programação aqui.

    Qual foi a primeira grande conseqüência dessa mistura?

    O festival de Milão precisava de uma cara nova, então graças a essa relação que se criou com o Brasil, o festival de Milão entrou pra “família Mix”. E trocou o nome Festival de Cinema Gay Lésbica de Milano para Mix Milano. Na curadoria o que mudou é que vendo filmes lançados em momentos diferentes, o trabalho de um festival alimentava o outro festival.

    Grande parte da sua função está em interpretar os milhares de filmes que assiste. Como funciona na prática?

    Isso acontece durante todo o ano, é um trabalho que nunca pára. É importante acompanhar o movimento dos festivais mais relevantes do ano como os de Berlim, Cannes, Veneza, Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o Imaginación (do Canadá) e os festivais com temática específica LGBT, como o festival de Paris, o festival gay de Londres e a Berlinale, que tem o prêmio Teddy Award. Nos últimos três meses antes do festival acontecer a gente tem uma carga muito grande de filmes pra assistir. Vejo pelo menos um longa e um curta por semana todo o ano. Quando fica intenso eu vejo um filme por dia em média, mas acontece de eu ter que ver, num festival, até cinco filmes por dia.

    Com essa quantidade de filmes, sua percepção não muda?

    Muda. Isso é mais evidente quando estamos num festival e temos que sair de um filme pra outro. Quando você assiste muita coisa, tende a ser mais crítico. É mais difícil que uma coisa te impressione no bom sentido. Porque chega um momento em que você percebe uma onda parecida. Você só se impressiona quando encontra algo diferente, que ainda não viu. Visualizamos mais rápido a estrutura do roteiro, e muitas vezes nem te dá vontade de chegar ao fim do filme, por exemplo. Você cria uma expectativa de ver algo que te impressione no bom sentido.

    Rafael (à esquerda) no backstage de uma sessão de fotos de Felipe Morozini em Milão ©Acervo pessoal Rafael Maniglia

    No mundo de hoje, com muitas imagens, o que tem que ter num filme pra te impressionar?

    Sinceridade… será que dá pra entender isso? E honestidade. Não que tenha que ser real, não, não. Você tem que enxergar o diretor, enxergar quem teve aquela ideia através do filme. Não gosto de coisas muito pretensiosas porque no final das contas elas se perdem. O intuito tem que ser pessoal, não pode perder o cordão umbilical entre quem criou e a criação. O filme tem que ter o DNA de quem o criou, ser um reflexo, uma extensão do realizador. E não uma coisa feita apenas para vender, ou para bilheteria. Esse tipo de filme feito pra vender também é legal, diverte, a gente sai mais leve e tal, mas não é um quesito que eu levo em conta no meu trabalho de curadoria.

    Provavelmente porque a escolha do filme tem que refletir suas ideias.

    Exatamente. Acho importante no meu trabalho eu também não perder minha identidade. Óbvio que você tem que pensar no público, não tem nenhum sentido você não levar isso em consideração. Mas o curador, como o roteirista, tem que também deixar transparente a própria opinião e o estilo de vida.

    O que é importante pessoalmente e profissionalmente para você como curador, então?

    Provocar. A provocação, pra mim, é o ponto mais relevante do trabalho de um curador. Porque através da provocação você cria questões.

    Dá um exemplo de provocação que você cometeu.

    Gosto de pensar em dois modos de provocar. Um é ser muito agressivo. Selecionar uma obra que mexe porque te atinge, constrange, te deixa desconfortável. Como o filme “Notre Paradis” do Gaël Morel, história forte de um casal que se encontra na rua, são dois gigolôs, um mais velho e um mais jovem, que está iniciando na prostituição. O outro modo é o extremo contrário. Mostrar coisas tão doces, naif e emotivas que te desconsertam, como colocar, na mesma edição onde exibimos esse filme violento, o musical sueco pra adolescentes “Love is in The Air”, com personagens fofinhos num mundo ideal, fantástico.

    Onde você tem um bom feedback do seu trabalho?

    Feedback através dos jornais geralmente é muito frio porque é coordenado pela assessoria de imprensa do festival. Quando a gente tem o feedback da plateia é forte. Eu amo quando dizem que não gostaram dos filmes! (risos) E isso acontece. A pessoa chega pra mim e diz “Eu odiei esse filme!”, mesmo. Então significa que a provocação existiu. Não faço uma curadoria apenas pra agradar. Gosto também das reações contrárias, do que é considerado forte, horroroso. No geral as pessoas não gostam de ser provocadas. Mas, claro, esses são os pontos extremos do festival, que também tem que ter a comédia, o mainstream. O festival precisa disso pra vender bilheteria.

    No Brasil, qual diretor consegue te impressionar?

    Eu penso no Dácio Pinheiro, que fez o documentário “Meu Amigo Claudia”. Ele contou a história da transexual Claudia Wonder, esse personagem brasileiro que foi inclusive uma grande amiga minha e faleceu há dois anos. A Cláudia provocou muito e conquistou também muito no mundo transexual. Desde o começo ficou cara a cara com a polícia e sempre foi muito preocupada com o que estava acontecendo ao redor dela. Isso em plenos anos 80, quando a prostituição era muito maldita e punida. As transexuais eram espancadas e levadas pra cadeia todas as noites, se não assassinadas. A Cláudia acolhia as trans mais inexperientes, dava conselhos e protegia. Eu acho que o Dácio foi maravilhosamente visionário porque conseguiu contar a história dessas pessoas. Falar de transexualidade é já provocar. Porque transexualidade é um tabu mesmo entre as próprias transexuais.

    Seu contato com o Dácio também reflete uma aproximação sua com os neo tropicalistas que refletem muito um gosto contemporâneo atual brasileiro. Como foram esses encontros?

    Conheci o Dacio há muito tempo, foi meio orgânica a proximidade. Fiz alguns trabalhos com o Rodrigo Dutra como o “Exotique Talk Show”, apresentado pela Bianca Exótica. A gente fazia tudo junto, entrevistamos o Dudu Bertholini, Vic Meirelles, Rick Castro. Também gravamos o Exotique com a Samantha Aguiar, uma das minhas melhores amigas hoje, que é uma trans brasileira maravilhosa e vive entre o Brasil e a Itália, como eu.

    + Assista ao episódio de “Exotique Talk Show” em que Bianca Exótica entrevista Samantha Aguiar:

    Por que você acha que são essas pessoas que estão no centro de uma nova cultura tropicalista, super atual com o gosto de hoje no Brasil?

    Por causa da provocação e da quebra de esquema. Trazem coisas novas com colagem do velho. Transformam a linguagem e provocam reações que não existiam ainda. Quando o Dudu [Bertholini] e a Rita [Comparato] lançaram a Neon foi muito clara a influência de uma moda que já existiu, mas ao mesmo tempo ficou tão nova. Os desfiles da Neon foram sempre performances cinematográficas, com cenários e posturas que evocaram divas, uma colagem de conceitos. Outro exemplo dessa cultura está nos filmes da trilogia super sexy feita pelo Dácio Pinheiro com o Fábio Kawallys, “Transtarah”, “ETZuda, As abduzidas do Sexo” e “Mumtarah – No sarcófago das Ninfos”. Os dois primeiros já entraram nas duas últimas edições do Mix Milano e o último deve entrar em 2014. São bem visionários, saem dos paradigmas normais.

    + Assista ao teaser de “Mumtarah – No sarcófago das Ninfos”, de Dácio Pinheiro:

    Por que você gosta de mexer com tabus?

    Gosto porque acho que eles têm que ser quebrados. Se a gente expõe muito uma questão, ela deixa de ser uma questão, se desgasta e vira mainstream. E o tabu do transexualismo virar mainstream será uma coisa boa.

    Você acha então que o transexualismo ainda é um grande tabu? Não muda um pouco com a presença da Lea T no mundo pop?

    A gente já teve a Roberta Close, que foi maravilhosa. E mesmo sendo muito importante existir a Lea T, que conquistou muito sendo transexual, a história não é fácil. Fácil é uma palavra que não existe quando ela sai do mundo as artes e da moda e vai pro dia a dia.

    Com os tabus sendo quebrados, você acha que esse tipo de festival temático vai, um dia, deixar de existir?

    Trabalho com festivais temáticos LGBTTTS há 13 anos e cara deles mudou muito. No Brasil mudou ainda antes, comparando com a Itália. Porque a então curadora Suzy Capó é uma visionária. Uma punk rocker provocadora. Ela sempre tratou de temas como a pornografia, o sado-masoquismo e o transexualismo quando a gente ainda não estava acostumado a ver isso nas salas de cinema. E hoje em dia, em alguns lugares, muito dos direitos reivindicados na época já foram alcançados. Um adolescente que se descobria gay 20 anos atrás tinha muito mais dificuldade de entender sua própria sexualidade. Hoje está um pouco menos complicado, inclusive para a família. Claro, estou falando principalmente do que acontece em cidades grandes do Brasil. Na Itália também é muito mais difícil.

    Os festivais Mix, então, ainda têm pelo que brigar?

    Não podemos ignorar muitas questões importantes, que vão além das realidades que vivemos. Em países como o Irã, e agora a Rússia, uma pessoa pode ser morta, ir pra forca, se descobrem que é gay. A gente não sabe a dor de uma situação dessa. É muito importante debater isso. A parte social do festival tem que ir além do nosso umbigo, tem que ser internacional. Por isso exibimos aqui em Milão documentários como o palestino “The Invisible Man”, o marroquino “I Am Gay and Muslim” e o iraniano, fortíssimo, “Angels on Death Row: The Ebrahim Hamidi’s Case”.

    Você falou que o Brasil e a Itália são duas realidades diferentes no modo como encaram as questões homossexuais e transexuais. Então na hora que você tem que escolher filmes para cada um dos festivais o seu critério muda?

    Não muda. O que eu fiz foi trazer a mentalidade brasileira para o festival italiano. A minha concentração é em manter a minha identidade na seleção. E o que causou foi uma mudança de direção do festival italiano. Eu e o (diretor) Giampaolo discutimos tudo juntos. E ele é muito à frente do tempo dele, me deu carta branca porque também achava que o festival precisava sair do “gueto”. A gente nota o resultado quando vê que o público mais diversificado. Homens e mulheres heterossexuais vêm ver os filmes porque a curadoria é interessante, não porque o tema seja explícito. Hoje em dia a coisa mais importante não é mais que o filme tenha um beijo ou sexo, mas que toque argumentos ligados à identidade e às relações humanas.

    Rafael apresentando uma das edições do Mix Milano ©Acervo pessoal Rafael Maniglia

    Num dos festivais Mix Milano em que fui senti um clima de guerrilha no discurso inicial, com ares de polêmica mesmo. Ou seja, nos dias de hoje o “gueto” ainda precisa, de alguma forma, se defender?

    Não podemos esquecer de que estamos em Milão no teatro mais importante da cidade (Piccolo Teatro Strehler, no bairro Brera). E é um teatro público, da prefeitura e do Estado. E estar nesse teatro é uma conquista. Porque durante o governo da (Letizia) Moratti (ex-prefeita de Milão), que era de direita, eles tiraram todos os patrocínios públicos do festival. E queriam também tirar a gente do teatro. A conquista foi continuar naquele teatro e até hoje é muito importante estarmos naquele espaço. É sim uma guerrilha, uma briga política.

    Então não é que está tudo bem, como parece, né?

    Tá tudo bem neste momento porque a prefeitura atual de Milão é uma prefeitura de esquerda no sentido mais clichê da palavra. Na Itália é tudo nesse clichê, tudo dividido entre esquerda e direita, e é só isso que existe pra eles. Se o próximo prefeito eleito em Milão for de direita, provavelmente teremos os mesmos problemas de novo.

    O olhar de quem vê essas temáticas como normais toma um banho de água de fria quando se choca com essa realidade, não? Uma realidade onde é preciso até brigar pelo próprio teatro do festival.

    É, é um choque, você vê que o mundo ainda não é da forma como enxergamos.

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