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    FFW responde: como funciona a crítica de moda no Brasil?
    FFW responde: como funciona a crítica de moda no Brasil?
    POR Camila Yahn
    matéria blog

    Imagem de moda que brinca com os jornalistas de primeira fila ©Reprodução

    Sempre nas aulas que dou na Faap ou Escola São Paulo, quando chega o módulo “Crítica de Moda”, escuto dos alunos: “ah, mas isso não existe no Brasil”. Ou então: “todo mundo é vendido”. A única pessoa que é lembrada por essa geração tão jovem é a Erika Palomino, que publicava suas críticas na “Folha de S.Paulo”. Mas eles conhecem a fama da Erika e muitos nunca nem leram seus textos da época.

    O que acontece é que as pessoas entendem por crítica um texto que fala mal sobre alguma coisa. Você ter um olhar crítico sobre a moda, a arte, a música, o mundo não significa “meter o pau”. O olhar crítico te ajuda a não cair em certas armadilhas de marketing, a não ser feito de bobo, a pegar os clichês no pulo e a exigir mais do nosso objeto de crítica. Se o artigo é mais agressivo ou menos, isso tem a ver com o perfil do jornalista.

    Trabalhei cinco anos com a Erika e li praticamente todos os seus textos publicados na Folha, muitos para meu deleite. Até hoje levo os jornais antigos para mostrar aos alunos. Erika às vezes pegava pesado, como todo escorpião. Se isso machucava ou enraivecia o estilista? Com certeza. Mas ninguém podia dizer que ela não tinha o embasamento para falar aquilo. Ela sempre tinha razão e o respeito do mercado. E de onde vem essa “razão”? De conhecimento e bagagem. Junta-se a isso o fato de ela publicar em um jornal de grande circulação, veículos que normalmente abrem espaço para análises e críticas, e você tem aí um casamento perfeito.

    Alcino Leite Neto, que entrou em seguida, também escrevia textos maravilhosos. Ele vinha das artes, pouco conhecia o universo da moda quando chegou, mas sua visão de mundo tão incrível e aberta, unida a conhecimentos sobre filosofia e psicologia, tornava seus textos verdadeiras aulas (para mim pelo menos). Alcino interpretava signos que às vezes até o estilista desconhecia. Após quatro anos, Vivian Whiteman assumiu o cargo, mas teve uma jornada mais difícil. Era um nome jovem, com um novo olhar, assumindo um dos postos de maior relevância no país. Vivian é uma humanista acima de tudo. Não tolera o preconceito e a desigualdade, e a moda, com todas as suas panelas, virou um prato cheio. Vivian tem o senso crítico no sangue e é extremamente inteligente. Poderia escrever sobre qualquer assunto, de alimentação infantil a política global. Muita gente “da moda” a critica, falando que ela não gosta de moda. Eu sei que ela gosta. Eu estava lá quando ela foi selecionada para trabalhar na coluna do Alcino e vi o quanto aquilo a deixou feliz. Sua abordagem talvez não agrade a todos, mas é muito importante ter alguém que oferece um outro olhar e que sabe provocar. Se não, como diz o filósofo norueguês Lars Svendsen, viraremos todos “cheerleaders” dos estilistas, achando tudo sempre lindo sem conseguir enxergar além da primeira camada. O que passa é que, se tudo é bom, como vamos qualificar o que for bom de verdade?

    Há sim muita gente no Brasil com potencial crítico e conhecimento de moda, mas muitas dessas pessoas ocupam cargos que não permitem a crítica. Grandes revistas, por exemplo. E isso é certo ou errado? Nenhum dos dois. Simplesmente é assim que acontece. Não cabe às revistas como “Elle” e “Vogue” criticar. Cabe a elas informar os leitores sobre as últimas novidades da moda através de imagens, editoriais, dicas, serviços, curiosidades e personagens interessantes. A leitora não quer ler uma crítica sobre o desfile de seus estilistas favoritos e sim saber como usar, o que comprar, onde comprar ou até em que outra marca mais barata ela pode achar algo parecido.

    Outra questão é com os anunciantes, obviamente. Imagine que você é um empresário e precisa escolher três veículos para anunciar, ou seja, você vai investir o seu dinheiro nessas três publicações. Aí você abre e dá de cara com uma matéria falando mal do seu trabalho. “Poxa, será que este é mesmo o melhor lugar para eu colocar o meu investimento?”, você pergunta. Isso para mim é muito claro, mas ainda percebo as pessoas cobrando de revistas comerciais um ponto de vista analítico. Simplesmente nunca foi e não é o papel delas.

    Os anunciantes hoje são parceiros e ambos – empresas e veículos – buscam construir algo maior juntos do que apenas uma proposta comercial e fria, e que ainda por cima não tem mais o impacto que tinha há 20. Há controvérsias, dirá minha querida colega Susana Barbosa, diretora de redação da “Elle” no Brasil. Mas esse é assunto para outro texto.

    Há também o fato de que as pessoas adoram ver a coisa pegar fogo. Quem já não se deliciou com um texto que “fala mal”? Infelizmente essa é a conotação de crítica aqui no Brasil. Um texto que é feito enfatizando o que é bom não é considerado, mesmo que o editor tenha razão. Ok, parte do trabalho do crítico é apontar erros ou escorregões, instigar, dar pistas do que poderia ser melhor, e muitas vezes a delicadeza se torna impossível, pois ninguém gosta de ser criticado. Imagine artistas e estilistas lendo uma crítica negativa com seus egos tão inflados. Alguns levam numa boa e tentam construir algo a partir disso. Outros fingem que não lêem e ignoram, como fez Lagerfeld com a jornalista vencedora de um prêmio Pulitzer Robin Givhan. E há ainda os que cortam relações, brigam abertamente e banem o editor do desfile, com aconteceu entre Cathy Horyn e Hedi Slimane.

    Horyn é dessas críticas afiadas. Com ela não tem meio termo. O que a torna tão respeitada (além do fato de que ela simplesmente era editora de moda do “The New York Times”)? Bagagem e conhecimento (não apenas sobre moda). Esse é o segredo e o único caminho. Conhecer o objeto da crítica, acompanhar sua história, entender seu posicionamento e se o que está sendo mostrado é coerente com tudo isso e, claro, com os nossos tempos. Se você será mais ou menos feroz, isso tem a ver com a sua personalidade e com a forma como você enxerga o mundo.

    Quem será que lê uma crítica de moda no jornal hoje, se é que ela existe? Os jornais nunca trataram a moda como tratam outros assuntos porque olha para ela ainda como algo fútil. Nunca se preocupou em educar e informar o leitor com a frequência necessária para que ele leia sobre esse tema com cada vez mais interesse. O que o leitor médio de um jornal grande hoje tem interesse de ler quando se trata de moda? Aposto que é uma entrevista com a Gisele.

    Hoje, infelizmente, as pessoas querem ler crítica pelo Instagram. Uma foto e quatro linhas é a nova maneira de decifrar uma coleção. De novo, certo ou errado? Nem um nem outro. Simplesmente é assim agora. Nós podemos criar espaços e iniciativas, mas também temos que respeitar o momento em vez de ir contra ele. Eu, como editora de um site, não posso ter preconceito com o que o leitor quer ou com o que pede o momento. Não significa que vou deixar de fazer o que acho certo ou o que tem qualidade real, mas não vou ignorar novos meios de fazer.

    Há ainda outros sites especializados, como o Chic, que também escrevem textos objetivos e, muitas vezes, críticos. E deve existir muita gente Brasil afora com talento, olhar e informação, mas que não construiu seu público. Os textos acontecem quando encontram e alcançam seus leitores.

    Como lidamos com as críticas aqui no FFW? Fazemos uma cobertura de desfiles enorme e que contempla muito além dos reviews. Nossos textos não são críticos no sentido de enfatizar o que é ruim, tampouco são mentirosos. Olhamos de forma positiva e respeitamos o trabalho de cada marca, independente de nosso gosto pessoal. Se eu já tive que escrever sobre roupas que jamais usaria? Muitas vezes. Mas o estilo do meu guarda-roupa é o que menos levo em conta nessa hora. Nosso ponto de partida é o bom senso para encaixar a marca dentro do contexto atual e de sua própria história. E é importante não ter preconceito e aceitar o posicionamento de cada marca. É certo esperarmos que a Colcci mostre uma coleção que vai mudar os rumos da indústria? Ou que Lino Villaventura reproduza as tendências do momento? Quando acontece de um desfile ser emocionante, essa paixão certamente estará nítida no texto, mesmo que eu não escreva sobre ela. Há muita informação nas entrelinhas, é importante atenção também para captar o que não está escrito.

    Se você for até a nossa seção de Desfiles e pegar uma coleção do SPFW, talvez se surpreenda com textos de qualidade e gostosos de ler, que dão ao leitor informações sobre o desfile e sua atmosfera além dos detalhes técnicos e do certo e errado. Mais uma vez, estamos pensando em um formato de transmitir informação não apenas para o mercado, principal leitor dos reviews, mas também para o público não especializado que gosta do assunto e para a nova geração de jornalistas de moda que está surgindo.

    Sugestão de leitura: “Moda, uma filosofia”, de Lars Svendsen

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