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    A moda e o tempo / o (novo) tempo da moda
    Trabalho da estilista Helen Rodel ©Reprodução
    A moda e o tempo / o (novo) tempo da moda
    POR Camila Yahn
    Trabalho da estilista Helen Rodel ©Reprodução

    Trabalho da estilista Helen Rodel ©Reprodução

    Ao vencer a Palma de Ouro em Cannes, o diretor Ken Loach disse: “Um outro mundo não é apenas possível, mas necessário”.

    Não há dúvidas disso e quero usar essa frase no contexto da moda, já que as transformações sociais e mudanças de comportamento pelas quais o mundo passa também afetam diretamente esse mercado.

    O FFW tem publicado algumas iniciativas que surgem moldadas para o momento atual e futuro, já que grandes mudanças levam tempo até se consolidarem.

    Novas marcas e projetos mostram uma energia forte e crescente que representa esse novo momento. A moda vem caminhando a passos largos e urgentes, traçando uma trajetória que alcançou seu ápice de individualismo e pressão, a era dos resultados e planilhas. Muita competição, pouco diálogo. Muita exibição, pouca discrição, muito consumo, pouca responsabilidade, muita produção, pouco cuidado. Com as mudanças atuais, entramos na era da incerteza, que tem virado o sistema de cabeça pra baixo. E é no meio dessa bagunça que abriu-se espaço para que um movimento de oposição surgisse: profissionais que têm tido a coragem de se posicionar contra esse ritmo e contra as regras impostas pela indústria para se obter sucesso.

    Hoje, esses códigos estão se mostrando insustentáveis e isso gerou um novo pensamento pra moda que inclui a otimização de tempo e dinheiro, a criação de algo durável e autêntico, a humanização dos processos e o não desperdício (de tempo, material, trabalho, mão de obra, ansiedade, etc.).

    Pessoas inspiram umas as outras, se juntam, se reconhecem por um ideal em comum e, a partir daí, surge um movimento. A força do coletivo é, a gente sabe, poderosa.

    Aqui no Brasil temos ótimos exemplos de estilistas e iniciativas que trabalham o tempo de outra maneira: a seu favor e não contra. Que atuam de forma horizontal, quebrando normas e hierarquias antigas; que se apoia no saber do outro e oferece apoio.

    Backstage de Paula Raia durante o SPFW N41 ©Agência Fotosite

    Backstage de Paula Raia durante o SPFW N41 ©Agência Fotosite

    Paula Raia, por exemplo, descobriu que seu verdadeiro processo não faz sentido desfilando duas vezes por ano. Ela precisa de mais tempo, já que seus processos são artesanais, orgânicos, como se viessem de dentro (dela) pra fora. E, pasmem, é essa lentidão o que torna sua marca especial e única.

    + O processo por trás do desfile de Paula Raia

    Paula desfila apenas uma vez ao ano, em sua própria casa, para um público escolhido a dedo e que representa nada mais que seu target. O que é necessário está lá. Ela tem uma única loja que recebe novidades em um tempo que agrada sua consumidora em vez de a enlouquecer. Suas coleções de passarela são de tamanha riqueza e beleza, que evidencia, uma constante evolução. Sem fórmulas, sem exageros.

    A designer Caroline Baum e a estilista Flavia Aranha estão no mesmo caminho. Carol acabou de abrir sua marca de acessórios especiais, de sapatos e bolsas a mangas e golas, com acabamento primoroso e que não têm para pronta entrega.

    Peças da nova marca Baum & Haut ©Divulgação

    Peças da nova marca Baum & Haut ©Divulgação

    “Você acha a bolsa linda. Resolve comprá-la, mas não vai levá-la na hora. A partir daí, começa um processo que envolve receber por e-mail a imagem e as informações da procedência do couro sustentável com o qual será confeccionada a sua peça, observar o artesão costurar a estrutura num curto vídeo gravado para você. Depois de um tempo, que varia de duas semanas a um mês, dependendo da complexidade do produto, ele fica pronto e você o recebe em casa”, conta Carol Vasone na matéria sobre a nova marca.

    “Você vai gestando a sua peça com a gente. A ideia é criar algo que a pessoa vá ter para sempre”, diz a designer. O termo “para sempre” vai totalmente contra a onda de fast fashion que invadiu a moda.

    Imagine como era a regra há uns 15 anos: a pessoa lança sua marca, tem que ter loja em shopping ou num ponto nobre da cidade, produz várias peças para vender na loja, faz acordo com multimarcas para estar presente pelo país, faz campanhas, anuncia… O quanto de dinheiro não vai pra criar essa estrutura da competitividade e do sucesso? Hoje, não há estrutura que te garanta o sucesso.

    Onde você compra as lindas bolsas da Baum & Haut? Por enquanto na casa de “anfitriões” que recebem seus amigos para apresentar a grife e receber os pedidos. Carol produz o que for encomendado.

    Feche os olhos e pense numa imagem que retrate o momento que escrevi acima.

    Abra os olhos.

    Agora feche de novo e relembre as imagens das pessoas invadindo a H&M no dia do lançamento da coleção da Balmain como se fossem esfomeados atrás de comida. É certo que há algo que precisa mudar, não? Nós precisamos mudar.

    Eu acho esse vídeo abaixo um tanto chocante.

    Flavia Aranha será a primeira marca de moda no Brasil a ganhar o selo B, dado a empresas sustentáveis – o que não quer dizer que fuja da tecnologia ou da visão de negócio. Ela foi em busca de artesãos pelo Brasil até formar uma rede de colaboradores que envolve 20 cooperativas e microempresas. As encomendas são feitas em pequenos volumes, já que o processo é todo artesanal, ela confecciona os próprios tecidos e usa plantas para tingir as roupas.

    + Conheça o processo e a moda atemporal de Flavia Aranha

    Foto de uma das coleções de Flavia Aranha ©Reprodução

    Foto de uma das coleções de Flavia Aranha ©Reprodução

    Nos acessórios, vale destacar Lane Marinho, que posta em seu perfil do Instagram as sandálias mais lindas, mas que não podemos consumir conforme nosso impulso. Você vai ao seu ateliê e lá passa por um ensinamento inconsciente que mostra que nós temos que entrar no tempo dela e não o contrário.

    Fernanda Yamamoto, Comas + Japonique, Helen Rodel e À La Garçonne são mais exemplos de marcas que defendem um conceito de moda e trabalho mais humano, autêntico, atemporal e especial. E muito desejável. E obviamente há muito mais por aí, de micro negócios a empresas maiores nascendo ou renascendo com essa mentalidade. E os trabalhos que Chiara Gadaleta vem desenvolvendo na moda com o Ecoera e Marcelo Rosenbaum no design também compartilham dessa visão, além de capacitar e ensinar muitas pessoas pelo caminho e elevar o nível da qualidade e produção de peças brasileiras.

    Pensando no sentido de comunidade, a gente divulgou há uns dias o lançamento da Malha, iniciativa criada no Rio em parceria de André Carvalhal, da Farm, e a turma do Templo. Eles criaram uma estrutura de co-working e empreendedorismo, que reúne criadores, produtores e consumidores em um mesmo lugar, resultando em um novo ecossistema de moda. Lá tem laboratório, maquinário, escola, estúdio fotográfico que você pode alugar por hora, aproximando e otimizando o ciclo da produção e do consumo. “Num momento em que as pessoas estão desanimadas, essa união é muito importante. Esse é o meu lema, ninguém consegue fazer sozinho, muito menos nessa situação”, diz Carvalhal ao FFW.

    É legal compartilhar e oferecer o seu talento aos outros. E nessa rede de novos parceiros e amigos, vai construindo sua base e lapidando sua bagagem. Luxo é ter tempo, luxo é saber comprar, luxo é ser gentil, luxo é oferecer algo realmente bom, luxo é ser de verdade, luxo é descobrir o seu caminho. E tudo isso dentro do capitalismo, que é o sistema econômico em que vivemos. Mas uma nova organização começa a tomar força, que olha para as nossas reais necessidades, que respeita toda a cadeia, que constrói relações, que alia qualidade a beleza e que tem uma consciência mais alinhada com o que o mundo precisa.

    Já disse Caetano:

    “És um dos deuses mais lindos
    Tempo, tempo, tempo, tempo”.

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