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    Passeata da Chanel divide opiniões; veja os dois lados
    Passeata da Chanel divide opiniões; veja os dois lados
    POR Augusto Mariotti
    Final do desfile da Chanel, com as modelos em passeata

    Final do desfile da Chanel, com as modelos em passeata ©IMAXtree

    A Chanel desfilou seu Verão 2015 em um cenário que reconstruiu um boulevard parisiense à perfeição. Ao final da apresentação, as modelos entraram em passeata, com megafone e placas. Uma das inspirações foram os eventos de Maio de 68, em Paris.

    Enquanto a coleção em si foi muito bem recebida, a “passeata” foi polêmica e dividiu opiniões em sites e, especialmente, no Facebook.

    Aqui, nós colocamos duas opiniões diferentes: a de Suzy Menkes, em coluna publicada no site da “Vogue”; e a do stylist e artista Maurício Ianês, um dos entrevistados da nova edição da “FFWMAG”, que escreveu um texto exclusivo para o FFW.

    A FAVOR

    Suzy começa elogiando a cenografia e trazendo para o leitor um pouco do espírito da apresentação, dando detalhes das roupas, do lugar, da atmosfera e de como ela confirma que a atitude de Gabrielle Chanel ainda se mantém forte dentro da maison, um século mais tarde. A Suzy, Lagerfeld disse: “gosto da ideia do estilo de rua, de ser pé no chão, mas é um estilo de rua chique”.

    Então ela cita exemplos das placas que as modelos levavam ao final do desfile, com mensagens como “Os direitos da mulher são mais que ok”, e uma adaptação do slogan pós-Vietnã nos anos 70: “make fashion, not war”.

    “No início senti um desconforto com a ideia de Karl usar esses slogans em um momento em que manifestações em Pequim pela demoracia e campanhas pelos direitos da mulher no mundo todo são, literalmente, assuntos de vida ou morte”, escreve.

    O incômodo que chegou a sentir no começo logo passou. “Mas então pensei: “esse é um estilista que pega o que os franceses chamam de ‘l’air du temps’ – o que está no ar. Em termos fashion, é um momento para protestar, falando metaforicamente, contra todos aqueles vestidinhos para cocktail ou looks elaborados de tapete vermelho.”

    Entende-se que a moda, às vezes, se apropria de fatos da vida real e ela mesma deixa o seu protesto.

    @suzymenkesvogue

    ……………………………………………………………………..

    CONTRA

    Abaixo, leia o texto de Maurício Ianês escrito com exclusividade para o FFW:

    Na década de 60, feministas queimavam seus sutiãs na ruas, como símbolo de defesa dos direitos das mulheres. Nos mesmos anos 60, em Maio de 1968, protestos tomaram as ruas de Paris com mensagens políticas um tanto indefinidas, mas que deixavam clara a insatisfação dos jovens com as convenções sexuais, políticas e econômicas da época, manifestações que marcaram toda a cultura e a política da segunda metade do século 20 e início deste século 21, e que traziam consigo também novas propostas de estilo de vestuário, que questionavam os antigos padrões.

    katharine hamnett e margaret tatcher

    Margaret Thatcher recebe a estilista e ativista Katharine Hamnett ©Reprodução

    Em 1984, a estilista Katharine Hamnett foi a uma recepção da então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher usando uma camiseta que ela tinha criado com o slogan “58% DON’T WANT PERSHING” (58% NÃO QUEREM MÍSSEIS NUCLEARES). Thatcher estava na época negociando com os EUA a entrada de mísseis capazes de carregar ogivas nucleares (pershing) no Reino Unido. A estilista usou a moda, no caso, o item mais simples, uma camiseta – em uma festa em que, ela descreve, todos usavam vestidos e tailleurs de alta-costura – para disseminar uma mensagem política. A mesma Katharine criou, um ano antes, uma camiseta com o slogan CHOOSE LIFE, que foi apropriada recentemente, com seus dizeres descontextualizados, pelas manifestações conservadoras contra o aborto nos EUA. Neste ano, 2014, vimos na França (e no Brasil, e em muitos outros países) a Marche pour la Vie (Marcha pela Vida) também contra o aborto e, de quebra, contra a união civil e os direitos dos homossexuais. As camisetas de Hamnett foram febre mundial no final dos anos 80 e início dos anos 90, além de terem sido e ainda serem copiadas.

    noivas comme de garçons verao 2012

    As noivas da Comme des Garçons no desfile de Verão 2012 ©IMAXtree

    No desfile da coleção de Verão 2012 da sua marca Comme des Garçons, Rei Kawakubo apresenta uma coleção extremamente poética e forte em conteúdo político e crítica aos padrões sócio-culturais impostos às mulheres, olhando especialmente para o vestido de noiva, esse símbolo de pureza virginal, que atesta que aquela mulher, “propriedade” do seu futuro marido, está sendo entregue a ele intacta – sem desejos, sem libido, sem história, sem vida. A coleção se chama White Drama (Drama Branco), e é um dos mais emocionantes manifestos feministas já feitos na moda.

    Em 2014, para a coleção de Verão 2015 da Chanel, Lagerfeld finaliza o desfile com um protesto que ele chama de feminista. O desfile, que trazia traços da moda psicodélica, justamente, dos anos 60 e 70, época em que as grandes manifestações em prol da liberação sexual aconteceram, foi feito como sempre dentro do Grand Palais, em Paris, grandioso símbolo de poder econômico (atualmente não tão grande) da França. Dentro da sala principal do edifício, uma réplica de uma rua de Paris, com seus prédios de arquitetura Haussmaniana. Interessante notar que até mesmo as poças de água das ruas foram reproduzidas na passarela, mas que os sinais verdadeiros de uso e a sujeira das ruas foram deixadas de lado. Mais interessante ainda foi notar o conteúdo das placas que as modelos carregavam, com atitude engajada, lideradas – e como não? – pelo próprio Lagerfeld.

    Dentro desse pastiche asséptico das ruas de Paris (por que então não fazer o desfile nas ruas de verdade?), podia-se ler nas placas (a tradução para o português é minha, e bem livre): “Oser sans poser” (ousar sem posar, uma declaração bastante ilógica dentro de um desfile de moda); “History is HER story” (um jogo de palavras com HIS – dele -, prefixo de HIStory – história – e HER – dela – , ou seja, algo como “A História é a história DELAS”), afirmação que infelizmente ainda não encontrou o seu lugar definitivo no mundo, seja o mundo das artes, da moda, da política e da sociedade; “Free freedom” (Liberte a liberdade – licenças poéticas à parte, isso quer dizer pouco, a não ser que, como disse um jornalista, nós pensemos em como o conceito de liberdade foi aprisionado por políticas norte-americanas e europeias em relação a países do Oriente Médio, Ásia, África e América Latina, ou seja, liberdade é o que os primeiros e poderosos falam que é liberdade); “Make fashion not war” (Faça moda, não faça guerra – mesmo que parte da produção dessa moda dependa de uma grande rede industrial que força mulheres, crianças e homens a trabalho escravo ou semi-escravo); e “Women’s rights are more than alright” (algo infeliz como “Os direitos das mulheres são super ok” – não quis usar a palavra legal, que seria mais adequada à tradução, porque ela traz em português uma conotação legislativa, de algo que está na lei, o que a frase em inglês não traz… Antes trouxesse). Alguém pensou, obviamente, nestas frases, pois eu digo: pensou muito pouco.

    Enquanto observava, após ter visto todo o desfile, as imagens do seu “finale”, como se diz no meio da moda, e as reações do público a ele, não pude deixar de pensar no bom e velho conterrâneo de Coco Chanel, Guy Debord. Logo nas primeiras páginas de seu livro “A Sociedade do Espetáculo”, ele elabora: “12. O espetáculo se apresenta como uma enorme positividade indiscutível e inacessível. Ele não diz nada além de ‘aquilo que aparece é bom, aquilo que é bom aparece’. A atitude que ele exige por princípio é essa aceitação passiva que ele já conseguiu de fato pela sua maneira de aparecer sem réplica, pelo seu monopólio da aparência.” (página 20 da edição francesa La Société du Spectacle, Collection Folio, Gallimard, aqui mais uma vez em minha tradução livre). Ou seja, o que vimos na passarela da Chanel parece um protesto, mas não é, no entanto ganha credibilidade (bastante oportunista) simplesmente por parecer um protesto, protesto esvaziado de todo o seu conteúdo político, que por desdobramento acaba por enfraquecer toda a força e o poder de revolução, contestação e criação de cultura da moda. Ele esvazia a possibilidade de diálogo com o seu público, que irá consumir suas roupas (na loja ainda mais esvaziada de conteúdo político) apenas para parecer contestador, no entanto afirmando o poder de imagem e manipulação do mercado que uma marca como a Chanel tem.

    Não estou aqui querendo transformar a moda em um campo de batalha político sem poesia, sem artesania, sem humor, mas me entristece ver a moda esvaziada de sua força (força que espero ter afirmado com os exemplos dados no início do texto), reforçando seus próprios clichês e usando e manipulando não só as modelos da sua passarela como as mulheres que consomem a marca em zumbis sem desejos, sem libido, sem história, sem vida, sem alma. Uma oportunidade perdida, visto que sim, vivemos em uma época em que as mulheres ainda não ganharam direitos plenos e legais sobre o seus próprios corpos e sobre as suas vidas. O poder que pouquíssimas têm de comprar bolsas Chanel com dizeres vazios estampados não vale nada.

    As elegantíssimas suffragettes inglesas devem estar se revirando em seus túmulos.

    @mauricioianes

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