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    Eu, você, a moda e o papa
    Eu, você, a moda e o papa
    POR Redação

    Look da marca Valentino, na temporada de Inverno 2013 ©Reprodução

    Às vésperas da chegada do papa Francisco ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, notamos como o novo pontífice tem influenciado a moda. “The New York Times” (com Suzy Menkes), “Vogue” britânica e a “Marie Claire” italiana estão entre os veículos que já apontam a influência do papa nas últimas coleções italianas.

    Suzy apontou para jovens designers e também para as atuais vitrines de Roma, já prevendo o espírito do outono. A “Marie Claire” olhou ainda mais pra trás e viu nas coleções de Primavera/Verão 2013 outros bons exemplos. Valentino colocou na passarela, entre outros looks, um vestido vermelho com punhos brancos que parecia “saído do armário de um cardeal”. Dolce & Gabbana, que já vinha no clima de mulheres do interior da Sicília, sempre muito religiosas, continuou apostando em seus pesados crucifixos, dignos de porta de igreja não fosse pelo tamanho. Ferragamo também usou crucifixos. E a Marni, sandálias franciscanas.

    Olhando todo o processo que a moda italiana, e não só, vem passando desde que a crise econômica sufocou a dolce vita, podemos dizer que… ok, vemos o papa na passarela, mas não somente.

    A escolha do papa e a admiração que a sociedade tem por esse novo não é apenas por causa dele. É causa também do que acontece dentro das pessoas. Isso se sente no ar, não somos nós que ditamos. Permitam uma comparação bem fashion-pobre: é como exibir na vitrine uma roupa que não se encaixa com o espírito da época. Simplesmente não vende. O mesmo serve para o papa. Não causaria esse furor um papa que nada tivesse a ver com o espírito do nosso tempo. A ideia não venderia. Capisci?

    Dois looks do Inverno 2013 da Valentino, uma das marcas que mais vem explorando o tema ©Imaxtree

    E o que representa um papa, senão alguém a quem não olhamos a aparência? Ninguém julga se o papa é bonito ou feio, se está bem ou mal vestido. Ninguém reparou se é magro, gordo, se tem mãos bonitas, cabelo. Um religioso é geralmente uma pessoa esteticamente livre de olhares analisadores. Quando olhamos o papa, o olhar o atravessa sem ver. Vamos procurar entendê-lo, julgá-lo, apenas de acordo com as atitudes. Materialmente é como se fosse invisível. Você vai procurar no papa o quê? O espírito. E talvez seja isso que as pessoas estejam procurando.

    Então se existe o papa no alto do foco de atenções e simpatias, é porque do lado de cá o mundo mudou. Ficou feio, ficou chato, ficou sem jeito não olhar o valor das coisas. Ficou, inclusive, cafona. É cafona demais ostentar hoje em dia. Um outro paralelo com o papa atual, que recusou o tratamento luxuoso que o Vaticano guarda para os papas. Repare nas pessoas que realmente ditam a moda. São discretas. E mesmo as últimas tendências de barroquismo, princesismos e outros ismos cheio de firulas… São ironias. Ninguém em sã consciência, e são poucos que têm dinheiro para isso, sairia com um colar, o tal colar statement, por exemplo, se ele realmente valesse um patrimônio. São maravilhosas bijuterias e nós sabemos. Talvez nos países onde o consumo ficou mais possível agora, como Rússia, China e Brasil, a coisa seja um pouquinho diferente, com gente falando tanto de dinheiro, do quanto custou isso e aquilo, ostentando logos de grifes, se sentindo superior ao usá-los. Mas só um pouquinho diferente, porque a nova rica do terceiro mundo quer parecer a rica antiga, então para isso ela vai imitar exatamente a discrição. A perolinha. O esmalte nude. A riqueza que não aparece.

    E aí está mais um momento em que podemos dizer aos que ainda não acreditam, que a verdadeira moda reflete o âmago dos seres urbanos do planeta aqui e agora. Inclusive dos que nem sabem disso ou que juram que não seguem tendência. É esperar pra ver. O designer que escolheu o papa como referência é alguém extremamente observador. É ele próprio uma esponja dos sentimentos do momento. Quem não é esponja dos sentimentos que estão no ar não consegue criar. Nem na moda, nem na arte, nem num novo sabor de sorvete.

    A moda é uma das maiores esponjas estéticas contemporâneas porque ela não fica num museu, ela vai parar no seu corpo. E quer vitrine melhor que o corpo da gente circulando por aí? A verdadeira tendência, aquela que funciona e vai do topo para a fast-fashion e para as ruas, saiu do sentimento de algum criativo, conectado a seu tempo, que materializou isso na passarela. E os outros observadores, igualmente conectados, pescaram o recado. E publicaram. E o leitor, se deparando com isso, sente que algo retorna, que o coração também fica tocado. Resultado? Você, naturalmente, aposenta o animal print e fecha um pouquinho mais o decote (se é que já não havia feito antes). E se sente adequado assim. Mas não porque foi culpa da jornalista, do papa, da Valentino ou da Dolce & Gabbana. E sim porque estamos todos nessa onda. Eu, você, a moda, e o papa.

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